A edição de 30 de Março 2013 da New Scientist é dedicada aos mecanismos da asneira. Sob o título “Stupidity: What makes people do dumb things” o hebdomadário propõe-se mergulhar na súmula do conhecimento consagrada a medir a estupidez humana.
Afinal, de que estamos a falar? Se existisse um filão de estudos sobre a estupidez, Gustave Flaubert seria sem dúvida o seu pai e fundador. Escreve a New Scientist, era apaixonado pelo estudo da asneira entre os seus contemporâneos e via em todos os lugares de fofoca cursos universitários de classe média sobre o tema. Nem mesmo Voltaire escapou ao seu olhar crítico. Possuído pela sua obsessão, Flaubert dedicou os últimos anos da sua vida a coleccionar milhares de exemplos de estupidez no seu Dictionnaire des idées reçues (ou Catalogue des opinions chics).
Depois de Flaubert, os paradoxos da inteligência têm sido estudados cientificamente, através de experiências de psicologia pelo Prémio Nobel da Economia Daniel Kahneman e pelo seu colega Amos Tversky. Os dois investigadores mostraram que o cérebro humano utiliza dois circuitos para tratar a informação: um pelo qual se mede o QI, a inteligência racional, e outro, a intuição.
Os mecanismos intuitivos são certos utilitários que nos ajudam a ganhar tempo, mas que nos expõem ao erro de avaliação: o estereotipo, o viés da confirmação ou a resistência à ambiguidade fazem parte dos perigos que lhes estão associados. Daí a incapacidade humana para avaliar adequadamente o risco (sobrestimamos as nossas possibilidades de ganhar e subestimamos os riscos de fracassar) ou para fazer escolhas racionais em assuntos de dinheiro.
Tversky e Kahneman mostraram num caso particular, quando se faz girar uma roleta em frente aos individuos a testar e se lhes mostra o resultado aleatório (por exemplo 60), se lhes for pedido, a seguir, para calcular o número de países africanos da ONU, baseiam a sua resposta no valor do resultado da roleta, embora saibam que é evidente que este número não tem nada a ver com a questão. É o viés da âncora ou a faculdade das pessoas em agarrarem-se a comparações entre dados arbitrários para justificar um cálculo.
Como lembrava Jonah Lehrer no New Yorker, a propósito dos estudos de Kahneman e Tversky, as pessoas utilizam atalhos mentais que não são propriamente uma maneira de favorecer a evolução rápida da matemática, mas antes um meio de contornar pura e simplesmente as razões matemáticas.
Voltando à literatura, a medição da inteligência, o famoso teste do QI, tinha pouco a ver com o tipo de comportamentos irracionais e ilógicos que tanto enervavam Flaubert. E as experiências realizadas entre 1990 e 2000 mostraram, senão uma ausência de ligação entre QI e o êxito nestes testes, uma correlação entre a inteligência e... o erro de avaliação.
As pessoas inteligentes matavam-se na guerra, segundo um estudo realizado após a Segunda Grande Guerra Mundial, e a gestão da estupidez pode encorajar ao nível colectivo erros gravíssimos em organizações reputadas inteligentes, como os bancos ou os gabinetes de recursos humanos, que só recrutam assalariados de potencial intelectual elevado. Os indivíduos inteligentes no sentido do teste do QI não estão, por conseguinte, isentos destes vieses cognitivos, depois de décadas de trabalhos desmistificadores que levaram o próprio Kahneman a confessar ter melhorado significativamente as suas capacidades mentais.
O investigador de ciências cognitivas Keith Stanovich da Universidade de Toronto propôs um teste alternativo ao QI, o teste do quociente racional. Segundo este teste, o que pode levar o ser humano mais desconfiado face aos seus próprios erros de avaliação e, portanto, a tornar-se mais racional, é a metacognição ou a capacidade de reconhecer os limites do seu próprio saber e das suas próprias certezas. Por exemplo, imaginar a resposta contra-intuitiva a uma questão antes de dar a sua própria resposta.
A conclusão provocante destes estudos é que não há finalmente nada de surpreendente que as pessoas inteligentes sejam muitas vezes vítimas do viés da confirmação ou de avaliações irracionais. O conhecimento desta questão é sem dúvida o tema menos partilhado entre as élites.
Ligações: Stupidity: What makes people do dumb things [New Scientist]; Time to get smarter about stupidity [New Scientist]; Flaubert, l'empire de la bêtise [France Culture]; Why Smart People Are Stupid [The New Yorker]; Smart Organizations Should Also Be Stupid, According to New Theory [Science Daily]; A Stupidity-Based Theory of Organizations [Journal of Management Studies].
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