O Serra costumava aparecer pela Direcção-Geral muitas vezes. Trazia o correio, levava recados, sempre embrulhados com um sorriso honesto e transparente.
Era um sorriso triste, mas era um sorriso.
Hoje vi o Serra, mas não foi na Direcção-Geral.
Foi perto da Direcção-Geral, mas não foi na Direcção-Geral.
A Direcção-Geral já não existe.
Hoje vi o Serra mas não trazia sorriso, trazia apenas tristeza, muita tristeza, porventura tanta tristeza que eu não consigo medir, nem descrever, mas que estava muito triste, estava.
Triste e infeliz, triste e apático, triste e preocupado, triste e conformado.
O seu olhar vagueava entre a banca dos jornais, os edifícios do Terreiro do Paço e os sem-abrigo que por lá se acomodam.
Percebia-se que se sentia muito sozinho, solitário e perdido junto do que ele julgava ser uma das suas últimas referências, como um órfão desamparado, sem parentes nem amigos, tentando enxergar no infinito o aconchego dos pais infinitamente ausentes, procurando a protecção de alguém que já não existe, tentando reencontrar referenciais do passado recente que, contudo, desapareceram.
O Serra parecia também muito assustado.
Mas não se lhe lia revolta no semblante.
Perante esta resignação assustada e triste, sem amigos, sem colegas, sem "lar", o Serra naquela momento, parecia invejar o sorriso que o sem-abrigo lançou a uma senhora de meia idade que lhe colocou um bolo numa marmita de plástico pousada sobre os cartões que o resguardam do frio da noite.
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