domingo, 29 de março de 2009

Quem quer o fim das empreitadas de obras públicas?

Algumas "mentes brilhantes" pretendem, invocando em vão o recém-aparecido Código da Contratação Pública (CCP), reduzir as empreitadas de obras públicas a meras prestações de serviços e pagamentos contra factura nos termos do Código Comercial.
A táctica é simples: começa-se por considerar prestações de serviços as contratações de valor não superior a X.000 € e, depois, com o "andar da carruagem", logo se avançará para um limite superior, a pretexto, claro está, do tal "simplex". Só que esta filosofia inovadora tem riscos que as "mentes simplex", aliviadas de alguma massa cinzenta não previram. E esses riscos têm a ver com os conceitos e com os princípios e não com os números. E uma contratação que, à primeira vista se pretende barata, pode saír caríssima. Como vamos ver.
Quanto ao conceito, basta conhecer o Decreto-Lei nº12/2004, de 9-1 e o Código Civil e aplicá-los aos organismos públicos - que ainda são território nacional.
Aprenderam os profissionais de engenharia e de arquitectura, cujos diplomas não lhes saíram na "farinha Amparo" e têm carteira profissional da respectiva orgganização de classe, que, tal como diz o artigo 3º do Decreto-Lei nº12/2004, de 9-1, uma obra é todo o trabalho de construção, reconstrução, restauro, reparo, conservação, ou adaptação e demolição de bens imóveis. As obras são públicas ou privadas consoante a entidade promotora é pública ou privada.
E, a forma de contrato pelo qual uma parte se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço chama-se empreitada, diz o Código Civil no seu artigo 1207º, e não diz, claro está, que o conceito de empreitada é função do valor do contrato, como essas "mentes brilhantes" pretenderiam.
É que o que está em causa é a natureza dos trabalhos objecto da contratação, que um trabalho de estruturas, de fundações, de demolição, de construção civil, ou de instalações especiais eléctricas, não deixa de ser, por si só ou em conjunto com outros, uma obra.
E uma obra implica necessáriamente a aplicação de processos construtivos, o cumprimento de normas, regras e regulamentos, enfim de legislação específica e a realização de objectivos técnicos, tendo em vista optimizar cinco factores de gestão:
a) a qualidade da obra;
b) a segurança, higiene e saúde no trabalho (SHST);
c) o impacte ambiental;
d) o custo da obra;
e) o prazo de execução.
Numa empreitada ou contrato de obra, a entidade adjudicatária tem obrigatóriamente que estar inscrita no Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P. (INCI) e de ser detentora de título de registo ou de alvará, nos termos do Decreto-Lei nº12/2004, de 9-1, sujeitando-se, em caso de incumprimento, às cominações previstas no mesmo diploma, que vão desde pesadas coimas a eventuais participações criminais.
Uma obra implica o fornecimento de materiais e/ou equipamentos e a utilização de mão de obra e de máquinas e ferramentas adequadas aos processos construtivos, durante o prazo de execução da obra, durante o qual o dono de obra tem o direito de fiscalizar os trabalhos.
Acresce que uma empreitada tem prazo de garantia - normalmente de 5 anos -, ou seja um período de tempo para além do prazo de execução e a iniciar-se a seguir a este, durante o qual a entidade adjudicatária é obrigada e efectuar todas as reparações e rectificar deficiências de execução dos trabalhos que lhe sejam imputáveis. Realça-se, que numa empreitada há normalmente depósitos ou garantias bancárias correspondente a 10% do valor do contrato e que servem de caução em caso de incumprimento.
Ora, um contrato de prestação de serviço - consigna o artigo 1154º do Código Civil - é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar a outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição. E, como se vê, uma empreitada é bem mais que isso.
Para além da questão de direito - que já não e' pouco - e do eventual exercicio clandestino de uma actividade regulamentada por lei, imaginem os problemas que podem surgir se "simplificarmos" e contratarmos uma obra como prestação de serviços ou um pagamento contra factura (de acordo com o Código Comercial). Como vamos gerir em condições ambientalmente correctas, com adequado nível de qualidade e de segurança e saúde no trabalho, no prazo previsto e minimizando o custo ? E que garantias de boa execução técnica tem a entidade adjudicante, se a entidade adjudicatária não tiver alvará ou título de registo do INCI e, para além disso, não houver caução durante o prazo de garantia ?
Simplificar uma contratação, transformando uma empreitada em prestação de serviços, pode originar sucessivas demolições e reconstruções, não cobertas por garantia bancária ou garantia mínima de boa execução técnica (a inscrição no INCI).
É que, como dizem as Leis de Murphy, atrás de um pequeno problema podem surgir vários grandes problemas.
Começamos, agora, a entender porque é que vai havendo cada vez menos obras públicas e a razão por que deixou de existir um organismo - como a DGEMN - que tratava de obras públicas em edifícios. É que as empreitadas precisam de verdadeiros engenheiros e arquitectos (na acepção legal do termo) e da implementação de sistemas de gestão, cujo entendimento não está ao alcance de licenciados em ciencias sociais e políticas, em direito, em história, em animação cultural, antropologia, etc,, que é a formação de alguns dirigentes da Administração Pública que se ocupam das obras.
Esta situação, associada a medidas como as escolhas por "compadrio" das chefias e a diminuição de carreiras na função pública, são um verdadeiro retrocesso que não deixará ter sérias repercussões no desenvolvimento económico-social do País. É que o "deficit" financeiro tem causas objectivas, determinadas por políticas incompetentes, que devem ser banidas definitivamente, sob pena de se pôr em risco a sobrevivência da Nação.

sábado, 21 de março de 2009

O ESTADO DO PATRIMÓNIO

Do "Diário de Notícias online", assinado por Maria João Pinto, transcrevemos:
O Estado gastou, no ano passado, cerca de cem milhões de euros em recuperação de património. E o Ministério da Cultura firmou, em Fevereiro, um acordo, com a associação que representa o sector, para o financiamento (voluntário) de intervenções futuras através da afectação de 1% do valor das empreitadas de obras públicas. Mas em discussão está ainda a polémica intenção do Governo de concessionar a privados edifícios históricos em estado de abandono ou semiabandono, com possibilidade de serem transformados em restaurantes, cafés ou até discotecas, desde que se respeite a "identidade cultu- ral" dos imóveis. Num cenário de crise económica e perante a transferência de tutelas decorrente do PRACE, em que estado está, afinal, o nosso património?
A propósito do debate de hoje organizado pelo DN e TSF recordem-se as notícias e medidas mais recentes. Há um mês, Elísio Summavielle, presidente do Igespar (Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico), garantia ao DN que "não têm qualquer fundamento" os rumores de que haveria bens nacionais em risco de verem retirado pela UNESCO o estatuto de Património Mundial. O Convento de Cristo, em Tomar, e o Mosteiro de Alcobaça necessitam de intervenção, sim, mas em zonas não abertas ao público. No caso do primeiro, a simbólica Janela Manuelina precisa de livrar-se dos líquenes, mas não é mal que a coloque em risco e a limpeza da pedra deverá ser feita, em breve, com apoio mecenático.
O Convento de Cristo e o Mosteiro de Alcobaça, tal como os mosteiros dos Jerónimos e Batalha e a Torre de Belém, integram já a Rota do Património Mundial criada pelo Igespar.
Em Abril do ano passado, na Assembleia da República, o ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, anunciava que o património precisava de 50 milhões de euros e que havia 55 monumentos a precisar de recuperação. Sendo os casos mais preocupantes as muralhas da Fortaleza de Valença e a Sé de Lisboa. Havia "risco moderado" no Palácio Nacional de Mafra e Arco da Rua Augusta. Precisavam de "atenção" os conventos de Corpus Christi (Gaia), da Saudação (Montemor-o-Novo), de Jesus (Setúbal) e de Cristo. Para este ano, o Igespar tem inscritos em QREN 11,6 milhões de euros, dos quais, cerca de cinco milhões são verbas comunitárias.
Entretanto, o Governo divulgou a referida intenção de concessionar a privados igrejas, castelos ou fortalezas. E aprovou, em Dezembro, a criação do Fundo de Reabilitação e Conservação Patrimonial, com um capital inicial de dez milhões de euros, financiado pela alienação de imóveis - a administração pública ocupa cerca de 4400 edifícios, 2680 dos quais pertencem ao Estado.
Com a extinção da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, no quadro do PRACE, paira agora a indefinição sobre o futuro de muitos imóveis com outras classificações que não a de monumento nacional. As autarquias, por sua vez, têm assumido protagonismo crescente. A Câmara de Lisboa, por exemplo, quer vender em hasta pública vários edifícios, incluindo quatro palácios, para que se convertam em hotéis.

CARRILHO DESTRÓI POLÍTICA CULTURAL

Sob este título, Cristina Figueiredo apresenta no "Expresso" desta semana (2009.03.21) a posição do ex-ministro da Cultura Manuel Maria Carrilho num texto para discussão interna no seu partido. Carrilho lamenta que a política cultural actual se tenha tornado "cada vez mais invisível, ilegível e incompreensível, ameaçando fazer dos anos 2005/2009 uma legislatura perdida para Cultura" e sublinha que "a cultura pode dar uma importante contribuição na resposta à crise que o país atravessa" , crise essa que não é apenas financeira, dizemos nós.
A crise financeira "de modo nenhum justifica o estado de abandono a que a cultura tem sido votada, seja o desinvestimento de que tem sido objecto e que pode provocar - e enfatizo este ponto, uma vez que se trata de uma ameaça real - danos irreversíveis", diz o actual embaixador português na UNESCO.
Carrilho tem toda a razão. Acescente-se (também) a inoperância e o caos estrutural actualmente existente nos organismos que sucederam à DGEMN e ao IPPAR, na sequência do PRACE. Basta ler as leis orgânicas e analisar o perfil técnico dos seus dirigentes, mesmo dos intermédios.
Veja também "em directo e a direito":
"Nem a cavaquização do país conseguiu ir tão longe como a socratização. Isto é um quarto vazio sem portas nem janelas", diz Pedro Abrunhosa.
"Sócrates é o negativo de Guterres: um primeiro-ministro anticultura, antieducação", acrescenta Ricardo Pais.
Opiniões para meditar, mesmo que não concorde.

terça-feira, 17 de março de 2009

PROFESSOR DOUTOR

Ao contrário de outros países do velho continente, em Portugal, com o fim da monarquia, em 1910, os títulos nobiliárquicos praticamente desapareceram, dando lugar a outros, nomeadamente os títulos académicos, com o objectivo mais ou menos declarado de demonstrar autoridade e competência profissional a quem o usa. O próprio Governo não resistiu a esta tentação republicana e laica, como se pode ver no Elenco Governamental publicado em pdf na página web da Presidência de Conselho de Ministros, em que aparecem "Dr. Mestre em Direito", "Professor Doutor", etc
A este propósito, não resistimos à tentação de publicar o artigo de Daniel Oliveira, saído no penúltimo "Expresso" (2009.03.07) e cuja leitura aconselhamos vivamente:

PROFESSOR DOUTOR
O melhor resumo do ancestral provincianismo português está na forma como Almeida Santos se referiu a Vital Moreira: "É um Professor Doutor de Coimbra, por amor de Deus!" E na rapidez com que um Professor Doutor de Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa, veio esclarecer que, por amor de Deus, ele nem catedrático é. Portugal é uma República, mas os títulos ainda estão muito bem cotados na feira das vaidades.

Se o acesso à casta está garantido para alguns, outros têm de o conquistar. Pedro Passos Coelho falhou no teste. Disse que na adolescência tinha lido um livro de Sartre que Sartre nunca escreveu. O júri da parolice nacional, o doutor ainda não professor José Pacheco Pereira, veio a terreiro denunciar o escândalo. O país, que lê bulas de medicamentos, indignou-se. No Trivial Pursuit nacional não se tira prazer ou conhecimento da leitura. Ela é o Ferrari que se exibe na praça da aldeia. Portugal tornou-se melómano quando Santana Lopes inventou uma obra de Chopin e literato quando Cavaco confundiu Thomas Mann com Thomas More. Num país encadernado mas sem livros, com imensa cultura de lombada mas sem gosto, habitado por citadores de banalidades e de filósofos espanhóis, a cultura é um penacho.

Gostava que Santana não fosse tão medíocre, que Cavaco tivesse mais mundo, que houvesse mais biografia em Passos Coelho fora do circuito da carne assada e que Vital Moreira não defendesse com tanto empenho todos os disparates deste Governo. Já os seus distintos títulos e a forma como se safam nos inquéritos de algibeira não me aquecem nem me arrefecem. Na vida, conheci muitos idiotas com excelentes bibliotecas e gente muito interessante que apenas fez da leitura uma coisa sua. Num país em que tudo o que conta é a aparência, já cansa ver como a cultura só é assunto quando serve para humilhar o vizinho do lado. Por cá, como se lê pouco, quem cita um livro é Professor Doutor.

Daniel Oliveira


Em tempo: Sobre este assunto leia também este excelente artigo de Ana Rute Silva (Público, 2010.08.16).

domingo, 15 de março de 2009

A DURA REALIDADE DO PAÍS

Mário Crespo entrevista Medina Carreira, que nos fala da situação económica e financeira do nosso País.
A realidade é dura.


segunda-feira, 9 de março de 2009

Manuel Alegre: Esperança num poeta ?

A "trova do vento que passa" ainda dói, sobretudo para quem esteve 12 anos exilado do seu país. Manuel Alegre, o locutor combatente da Rádio Liberdade, jamais trocará Coimbra, Lisboa ou o Alentejo por Bruxelas ou Estrasburgo. A alma do poeta e do resistente clamam mais alto: no exílio dourado "não há Sol, nem Sul".
Há que assumir o combate mesmo contra os "camaradas" do aparelho que o desejam longe. Nervosos e desesperados, os aparatchiki não suportam afirmações como, "Qualquer dia é como nos "Miseráveis": quem rouba um pão é condenado , quem faz trafulhices num banco é premiado com o dinheiro dos contribuintes".
Sócrates sabe que Alegre, para além de ser um histórico e uma referência do PS, vale mais de um milhão de votos. Os eleitores estão fartos dos "yes men" e dos venais e têm a premonição de que os poetas não são vendidos de circunstância. "Não se trata de condições, trata-se da verdade! Não exijo que o governo se renegue. Não quero é renegar-me a mim próprio. Não pretendo fazer o programa do governo, mas gostaria de ter alguma participação e mudar algumas políticas do executivo". Alegre dixit.
Manuel Alegre esticou "a corda até ao limite"e não abdica de valores como a revogação do código laboral, a suspensão do modelo de avaliação dos professores, a abolição das taxas moderadoras e os serviços públicos a funcionarem de acordo com a lógica do interesse geral.
E, já agora, que se lembre (também) do abandono, pelo Estado, dos edifícios e monumentos nacionais, e do caos que se instalou nos organismos que deveriam zelar pelo património.
A exemplo de outros sectores, a política cultural não existe. Não há dinheiro para nada porque a reabilitação não dá show-off, nem inaugurações que entrem na contabilidade dos votos.
É que se um poeta não se vende - nem precisa de fazer exames (normais ou por fax) para ser doutor e falar com autoridade - também não vende as memórias do povo, nem esquece a história da Pátria.



(Mesmo que não concorde, leia a entrevista de M. Alegre ao "Expresso", de 2009.03.07).

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