terça-feira, 31 de agosto de 2010

Justiça: Alterar leis por causa de um processo

O julgamento mais longo da história da justiça portuguesa vai ter a leitura da sentença na próxima sexta-feira, depois de cinco anos de desenvolvimento processual. Provávemente, seguir-se-ão os recursos para os tribunais superiores e, talvez por esta razão - e não por descontrolo de gestão - o ministro Alberto Martins desconheça os custos do julgamento para o erário público.

O escândalo rebentou no fim de 2002, com um número de dois dígitos de indiciados - em que se contavam algumas figuras públicas -, que passou a sete acusados de pedofilia. Com este processo, a separação de poderes entre a política e a justiça passa a ser mítica, como transparece das sucessivas alterações, em 2007 e já perto do fim do julgamento, ao Código Penal e ao Código do Processo Penal.

Com efeito, desde Novembro de 2002, muita coisa mudou na justiça em Portugal, começando nas leis penais mais polémicas - prisão preventiva, segredo de justiça, prazos da investigação, detenção em flagrante delito, escutas telefónicas - passando pelo mapa judiciário, férias judiciais e culminando, em Lisboa, na deslocalização dos tribunais para o "Campus da Justiça" na Expo.

O processo Casa Pia - como ficou conhecido - fica associado a um dos períodos mais contrversos da administração da Justiça no nosso País e ao entendimento entre os dois dois maiores partidos, em que as normas penais alteradas em 2007, voltaram agora a ser alteradas na Assembleia da República, no início de Agosto.

Se acrescentarmos a económica (!) mudança dos tribunais para o Campus da Justiça, na Expo, em que foram desactivados vários edifícios públicos na cidade, que funcionavam razoávelmente e em que o Estado tinha encargos reduzidos, para passar a pagar uma renda, calculada em mais de 1,2 milhões de euros mensais, por instalações onde, segundo alguns magistrados, não existem condições para se praticar a justiça, fica-se com uma ideia bem pouco entusiástica da actual política de Justiça.


segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Portugal - Tailândia, quase 500 anos de relacionamento exemplar

Foi em 1511, que Ayutthaya recebeu a primeira missão diplomática portuguesa, enviada por Afonso de Albuquerque logo a seguir à conquista de Malaca, que era uma zona de influência do Reino do Sião. O primeiro enviado à corte de Rama T'ibodi II foi Duarte Fernandes que regressou acompanhado de um enviado siamês e ofertas para o Rei de Portugal.

No próximo ano de 2011, passam cinco séculos do evento, estando as autoridades tailandesas a preparar as comemorações, com o envolvimento entusiástico de José Martins, antigo (e dedicado) funcionário da embaixada de Portugal em Bangkok, que, apesar de aposentado, continua ao serviço das boas relações luso-tailandesas, que reporta em fotografias e artigos minuciosos, nos seus blogues Portugal na Tailândia  e Aqui Tailândia.

Esperamos que Portugal, através dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Cultura não deixe de preparar atempadamente e apoiar as comemorações de um relacionamento de amizade de 500 anos, que fizeram perdurar, até aos nossos dias, um legado vivo de memórias, afectos e tradições, expressos em domínios tão diversos como vocabulário, a culinária, o património arquitectónico ou ainda nas famílias tailandesas de origem lusa*.

Daqui enviamos um abraço a José Martins pelo seu patriotismo e pela amável referência que fez ao nosso post de ontem.

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*Palavras de José Martins na descrição do Portugal na Tailândia.

domingo, 29 de agosto de 2010

Um segredo de Estado

Aquando da apresentação do projecto de licenciamento zero, ao início da tarde de sexta-feira, em Lisboa, a secretária de Estado, Maria Manuel Leitão Marques, numa cerimónia que contou com a presença do primeiro-ministro José Sócrates, afirmou que este projecto é "uma afirmação da nova cultura da administração pública", em que "o Estado confia nas pessoas".

Não sabemos se devemos inferir que esta filosofia de confiança nas pessoas se aplica (também) entre membros dos orgãos de soberania. É que, face à notícia de que cinco ministérios (e, por consequência, os respectivos responsáveis) não revelam aos deputados quanto pagam de arrendamento de instalações, somos levados a concluir que existe alguma reserva entre membros de dois orgãos de soberania.

Ou será que os cinco ministérios (e os respectivos ministros) não gerem, nem sabem às quantas andam ?



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Artigo relacionado: O (des)governo do património edificado

Licenciamento Zero

Depois da tolerância zero nalgumas estradas (e durante algum tempo), em que o código da estrada é para cumprir rigorosamente (dura lex sed lex), vamos ter, agora, o licenciamento zero em que vai deixar de estar sujeita a licenciamento prévio a abertura da generalidade dos pequenos negócios, tais como comércio a retalho e por grosso (incluindo supermercados e hipermercados até 2000 m2, restaurantes, serviços e armazéns e, eventualmente, se o seu promotor assim o desejar, livrarias, bancos e farmácias.

Na última sexta-feira, o governo anunciou, pela voz da secretária de Estado da Modernização Administrativa, que pretende obter autorização da Assembleia da República para legislar que, para abrir um "pequeno" negócio, a única formalidade que terá de ser cumprida é o registo prévio num formulário electrónico, com a actividade a poder ter início no dia seguinte.

Aparentemente a ideia parece interessante, apesar de não percebermos bem por que razão umas vezes a lei é para cumprir outras vezes não, seja no código da estrada, seja no licenciamento de actividades económicas, seja nos concursos da administração pública...enfim, seja na própria Constituição. Talvez, por isso mesmo, os magistrados estejam confusos e se aumente a morosidade na administração da Justiça.

Ficamos a pensar que certamente, com a medida ora anunciada pelo governo, os empreiteiros sem alvará ou título de registo podem ser (ou continuar a ser) contratados pela administração central e local, os projectistas podem fazer projectos sem estarem inscritos nos respectivos organismos profissionais, as clínicas ilegais que existem e que a Entidade Reguladora da Saúde não sabe quantas são*, vão passar a estar legais...

Mas, entretanto, podemos, desde já, ficar "descansados" que, para o comércio de medicamentos, não vai haver licenciamento zero. Ninguém vai poder abrir um "pequeno" negócio de produtos farmaceuticos como qualquer outro. E, se já for o feliz proprietário de uma farmácia, está sujeito a não poder abrir as portas 24 horas por dia**.

Enfim, originalidades da nossa democracia e da nossa quase centenária república.

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*Veja o nosso artigo Quantas clínicas ilegais existem ?
**Leia as notícias Infarmed proibiu farmácia de estar aberta 24 horas (Público) e A grande vantagem é funcionar 24 horas por dia (Diário de Notícias) .

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Administração Pública: Trabalhadores a termo sem concurso

Sob o pretexto da economia processual e da simplificação, o governo enviou aos sindicatos uma proposta de alteração da portaria que regulamenta os concursos de acesso à função pública, o que não deixa de ser curioso quando o mesmo governo anunciou, não há muito, o congelamento das admissões e a guerra à precariedade no Estado.

Os trabalhadores a termo para os serviços públicos passam a ser contratados pelo dirigente máximo do organismo, que decide qual o candidato que melhor se adequa ao lugar, através de simples avaliação curricular. Deixa, assim, de haver prova de conhecimentos, avaliação psicológica e/ou entrevista.

Nesta proposta de alteração, o governo propõe que, nos concursos para o preenchimento de lugares da lista de pessoal, destinados exclusivamente a pessoal com contrato por tempo indeterminado, os candidatos não  passem por testes psicológicos, nem por entrevista de avaliação de competências, sendo suficiente que prestem provas de conhecimentos ou tenham avaliação curricular positiva.

Depois de se ter legislado nomear os directores-gerais por critérios meramente políticos e destes escolherem os dirigentes intermédios, caminha-se para a politização legal das nomeações dos trabalhadores em funções públicas. Ou seja, o governo nomeia os directores gerais (naturalmente do partido do governo), que, por sua vez, nomeiam os dirigentes intermédios e os trabalhadores a termo, acabando por se institucionalizar o assalto ao aparelho de Estado pelo aparelho partidário, independentemente da formação das pessoas e da adequação dos seus perfis aos lugares públicos.

Sobre nomeações e concursos, em que o interesse público deveria estar sempre presente, leia os nossos posts

E, também, em relação ao MNE, no Notas Verbais:

Tornado de fogo

Anteontem, em Araçatuba, Brasil, ocorreu um fenómeno raro. O ar seco formou um redemoínho de fogo e assustou os condutores que circulavam na estrada próxima.
(Re)veja.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

O (des)governo do património edificado

A nomeação de um jurista para Chefe da Divisão de Instalações, Projectos e Obras (DIPO) da Secretaria Geral do Ministério da Cultura  traz à ordem do dia a gestão da manutenção e conservação dos edifícios públicos, classificados ou não.
Quando em 27 de Março 2007 iniciámos a publicação deste blogue, em que criticávamos a nomeação na DGEMN de alguns dirigentes (poucos) sem formação adequada* e outros oriundos de outros organismos sem experiência compatível com o cargo** para que eram nomeados, suscitando, então, questões de legalidade e de favorecimento ilícito, por não ter sido acautelado o interesse público subjacente a qualquer nomeação, estávamos longe de imaginar que, poucos anos mais tarde, os critérios de tais nomeações viriam a ser bem mais “liberais”, ultrapassando quaisquer regras de boa gestão, e desafiando ostensivamente o equilíbrio e o bom senso.
As razões para tal agravamento têm origem próxima na legislação, entretanto produzida, e que teria objectivos contraditórios dos que, na prática, foram alcançado, como facilmente podemos verificar.

O PRACE pretendia melhorar a gestão e poupar recursos, diminuindo organismos e dirigentes. No que diz respeito ao governo dos edifícios públicos, extinguiu-se um organismo (a DGEMN) e as suas suas competências e atribuições relativas aos edifícios classificados passaram para cerca de seis organismos*** que não estão organicamente estruturados, nem dispõem de recursos humanos e financeiros para prosseguir tais missões.
Basta contabilizar as obras de reabilitação em edifícios classificados promovidas por tais organismos, desde a sua recente fundação, até agora. Praticamente zero. O património mundial, a cargo do IGESPAR, continua a degradar-se irremediavelmente e o restante património, formalmente a cargo das DRC’s, está praticamente abandonado, devido à inoperacionalidade destas, como de resto se viu na recente reabilitação do conjunto monumental do Terreiro do Paço.
Nota-se que estes organismos apenas interferem no licenciamento de intervenções na vizinhança dos monumentos a proteger, mas não se preocupam com o centro das zonas a proteger, que é o próprio monumento.

O governo dos edifícios públicos não classificados é, actualmente, ainda mais confuso. As competências e as atribuições que estiveram, em tempos, concentradas na DGEMN, seriam, no entender de alguns juristas, como Robin de Andrade, dispersas pelas secretarias gerais de cada ministério. Só que, na sua generalidade, não foram criadas unidades orgânicas de obras e projectos nas secretarias gerais, ou nos poucos casos em que o foram, são completamente inoperacionais, por terem dirigentes inadequados ao cargo ou não terem profissionais de engenharia e arquitectura. Recorde-se que uma equipa mínima de projecto e obra deve ser constituída por 5 profissionais (arquitecto, engenheiro civil, engenheiro mecânico, engenheiro electrotécnico, desenhador) e, mesmo assim, teria uma capacidade operacional reduzida em relação às instalações de cada ministério. Portanto, se considerarmos que existem actualmente 15 ministérios, teríamos 75 técnicos distribuidos por 15 unidades orgânicas. A sua eficácia cresceria drasticamente se estes técnicos funcionassem em conjunto e prestassem os seus serviços técnicos especializados, através de uma entidade que compartilhasse estes serviços com os outros organismos do Estado. De resto, foi com esta filosofia de boa gestão, sinergias e poupança que a DGEMN foi criada em 1929.

A outra legislação que, com o PRACE, se tem revelado contraproducente e anacrónica foi a Lei nº12-A/2008, de 27 de Fevereiro, relativa aos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações e a Lei nº2/2004, de 15-1, com as alterações introduzidas pela Lei nº51/2005, de 30-8, relativa ao estatuto do pessoal dirigente.
Quando se reduzem as carreiras da administração pública a um número diminuto, a pretexto de uma qualquer economia processual ou de mercearia, está-se a negar a divisão de trabalho característica dos países civilizados, que nos ensina a conferir que o trabalho especializado e a qualidade só é apanágio dos profissionais especializados, devidamente reconhecidos pelo Estado. Já viram o que aconteceria, por exemplo, se os médicos do Serviço Nacional de Saúde não tivessem estudado numa Faculdade de Medicina reconhecida e exercessem a sua profissão avalizada pela Ordem dos Médicos**** ?
É evidente que, quando se introduz a polivalência nos trabalhadores em funções públicas, quando se recruta pessoas em função de um perfil político e não de um perfil técnico, não se quer a administração pública eficaz, nem se tem em vista a qualidade, a boa gestão e o interesse público. E, para além de tudo isto, a institucionalização da nomeação dos dirigentes dos organismos por critérios político partidários, é um acto maniqueísta e antidemocrático*****, impróprio de um país civilizado e que destrói irremediavelmente o Estado de direito e os seus fundamentos.

Certamente que com uma boa gestão das instalações dos serviços públicos, dificilmente haveria, por exemplo, um campus da Justiça, com a concentração de tribunais na Parque Expo em Lisboa... E, se aos governantes se lembrassem de concentrar também os estabelecimentos de ensino? E os estabelecimentos de saúde e as farmácias ? 
Será que estas concentrações de serviços na cidade têm (ou teriam) como escopo a economia e a boa gestão, ou escondem (ou esconderiam) interesses, que nada têm a ver com o interesse público ?

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*O caso mais paradigmático foi o de Margarida Alçada, licenciada em filologia germânica.
**Como os organismos que superintendiam os portos (Direcção-Geral de Portos) e as estradas (Junta Autónoma de Estradas).
***IGESPAR e cinco direcções regionais de cultura equiparadas a direcções gerais (norte, centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve). Outros organismos, como o IMC-IP e o IHRU, também reivindicam atribuições da ex-DGEMN no domínio do património classificado.
****Mesmo assim, há erros e casos problemáticos, como foi o recente caso de cegueira dos doentes oftalmológicos da clínica de Lagoa.
*****Havendo violação do princípio constitucional da igualdade entre os militantes e simpatizantes do(s) partido(s) no poder e os outros cidadãos.

domingo, 22 de agosto de 2010

Na Juventude, animador cultural ou engenheiro tanto dá

Se na Cultura, jurista ou engenheiro tanto dá, equiparando-se o perfil de engenheiro civil (do titular anterior) e o perfil de jurista do novo Chefe da DIPO, no Instituto Português da Juventude (IPJ), a política conseguia, em 2003, equiparar os conhecimentos de projectos e obras de um engenheiro civil aos de um animador cultural, sem qualquer licenciatura.

Tal proeza deve-se ao então Secretário de Estado da Juventude e dos Desportos (do governo Barroso), Hermínio Loureiro, que, através do Despacho nº6170/2003 (2ª Série), de 2-03, exonerou Amilcar Morais, ex-DGEMN e engenheiro civil, do cargo de Chefe de Divisão do Núcleo de Infra-estruturas do IPJ e substituiu-o pelo técnico especialista principal de animação cultural, João Manuel Perestrello Monteiro Leite, através do Despacho nº6172/2003 (2ª Série), de 2-03.

Posteriormente a ter exercido o cargo de Secretário de Estado da Juventude e Desportos, Hermínio José Loureiro Gonçalves (PSD) não deixou mais a ribalta, tendo sido Presidente da Liga de Futebol Profissional e sendo, actualmente, Presidente da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis.

O ex-DGEMN Amilcar Morais, que teve um contributo decisivo no maior lançamento da construção de pousadas de juventude de sempre, foi assim despedido, sem apelo nem agravo, por ter feito um trabalho notável face aos exíguos recursos humanos disponíveis, com execução total dos fundos comunitários consignados à medida de turismo juvenil do QCA II.

Daqui se conclui que, com estas concepções de "boa gestão" e de "prosseguimento de interesse público" de Hermínio Loureiro não vamos longe.  Talvez um dia destes os seus eleitores lhe peçam responsabilidades.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Na Cultura, jurista ou engenheiro tanto dá

Conforme noticiámos, Manuel Lourenço Rodrigues, engenheiro civil, ex-DGEMN, passou à aposentação antecipada, a partir de 1 de Agosto, deixando vago o cargo de Chefe da Divisão de Instalações, Projectos e Obras (DIPO) da Secretaria-Geral do Ministério da Cultura.

Como qualquer Secretária-Geral ou Secretário Geral Adjunto não pode deixar os seus créditos de diligência por mãos alheias, aí está, já em funções, o novo chefe de divisão. Outro engenheiro ? Um arquitecto ?  Nada disso. Sosseguem os curiosos. Um jurista. Trata-se de Paulo Lopes, vindo da Câmara Municipal de Lisboa, e que já foi inscrito para frequentar o próximo curso sobre o Código da Contratação Pública e legislação conexa.

Segundo a nossa fonte de informação, a gozar férias no Algarve, o nóvel Chefe da DIPO, para além de brilhante curriculum partidário, terá frequentado o Curso de Especialização para Diplomatas sugerido ao LNEC no nosso post de 12 de Agosto 2008, que lhe terá dado o background necessário ao desempenho das novas funções, em observância dos requisitos legais exigidos para o provimento do cargo.

Recorde-se que, de acordo com o nº1 do artigo 11º do tal estatuto do pessoal dirigente*, o exercício da função dirigente está dependente da posse de perfil, experiência e conhecimentos adequados para o desempenho do respectivo cargo, bem como de formação profissional específica, nomeadamente, o aproveitamento em curso específico para alta direcção em Administração Pública (cf. nº2 do artigo 12º do citado estatuto).

Fica, assim, equiparado o perfil de engenheiro civil (do titular anterior) e o perfil de jurista do novo Chefe da DIPO. Se o equilíbrio e o bom senso não podem equiparar os conhecimentos de projectos e obras de um engenheiro civil aos de um jurista, a política pode.

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*Lei nº2/2004, de 15 de Janeiro, com as alterações introduzidas pela Lei nº51/2005, de 30 de Agosto.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Portugal a arder: Ainda há heróis e heroínas

Há um pico a partir de 23 de Julho que nunca mais parou. Estamos com uma média de incêndios florestais de cerca de 400 novas ocorrências por dia. O valor acumulado de ocorrências de 2010 é já muito aproximado à soma de 2007, 2008 e 2009, afirmou Gil Martins, comandante operacional nacional da Protecção Civil.
A Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) registou, desde o início do ano, 14.601 ocorrências de incêndios florestais, metade dos quais ocorreram de 23 de Julho a 15 de Agosto, quando o comandante operacional conferiu para os media o balanço de sinistros florestais.

Os bombeiros de todo o país têm-se deslocado para os locais das ocorrências e estão na primeira linha, com elementos do exército e com a população, na luta contra o fogo. Apesar da bravura no combate, tem sido notória alguma descoordenação, bem patente nas declarações de alguns autarcas (que coordenam localmente a protecção civil), quando questionam que não seja dada prioridade à defesa das povoações e habitações e acusam o Estado de falta de prevenção ao não investir na limpeza das suas matas.

Realça-se que este ano as chamas têm consumido sobretudo a flora (e por consequência a fauna) dos Parques Naturais da Serra da Estrela e da Peneda-Gerês, de propriedade pública na sua quase totalidade, e que as medidas cautelares de prevenção são um imperativo de bom senso, fora do âmbito das medidas actuais de poupança nacional.

Se as alterações climáticas de subida de temperatura. com ondas de calor e temperaturas médias superiores em 5 graus aos valores médios, são importantes, há outros factores mais próximos da acção do homem e da organização do Estado mais determinantes. Como o fogo posto, a falta de vigilância e/ou a permissividade perante este tipo de condutas anti-sociais. Como o caos e a desorganização resultantes do PRACE (a partir de 2007) e da diminuição de carreiras da administração pública e a provável nomeação, nos dois casos, de dirigentes e trabalhadores inadequados às funções e competências dos organismos da protecção civil.

Para além dos prejuízos materiais e ambientais, os fogos florestais provocaram, nestes última década, 25 bombeiros mortos, que generosamente combatiam este flagelo, ao serviço da comunidade. Este ano morreu João Pombo, de 42 anos, dos Bombeiros de Alcobaça, que foi vítima de despiste do autotanque da corporação em S. Pedro do Sul.
A vítima mais recente foi a bombeira dos Voluntários de Lourosa Josefa, de 21 anos, que vivia com a mãe, estudava engenharia biomédica no Porto e trabalhava como caixeirinha num supermercado. Acumulava trabalhos e não cargos - e essa pode ser uma primeira explicação para a não conhecermos, escrevia Ferreira Fernandes no DN, de 12 de Agosto. Josefa morreu em Monte Mêda, Gondomar, cercada das chamas dos outros que foi apagar de graça. Ficámos, então, a saber que há jovens de 21 anos que são simultâneamente estudantes, trabalhadores e bombeiros.
Um exemplo para todos nós. 

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Narciso recupera Kafka

Entrevistado ontem, por Ana Lourenço (SICnoticias), Narciso Miranda diz-se envergonhado e fala de dois pesos e duas medidas. Fala dos socialistas que se candidataram à margem do partido e dos tachos...
Também na democracia interna dos partidos os militantes são todos iguais, só que alguns são mais iguais que outros*.
A (re)ver com atenção.



*Sugerimos que veja o nosso artigo Onde está a democracia ? com a opinião de Saramago em vídeo.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

LUSA A2: Mais um negócio pouco claro

Quem vê o slideshow das imagens que Fernando Penim Redondo  colheu das instalações (vandalizadas) da INDEP*, antes da demolição, em 2007, fica com a sensação de que a indústria nacional de armas e munições acabou por ser vítima de uma destruição idêntica à que ela própria propagou, através dos produtos que fabricou.
Sem direito a ser considerada como património industrial e apagada da memória do local, a destruição seria quase total, não fora um artigo da TDSnews**, de Julho 2010, intitulado A muito incrível história da LUSA, a arma portuguesa made in USA, que vale a pena ler, como um exemplo claro da forma como em Portugal se tem conseguido sucessivamente liquidar a indústria de Defesa e negligenciar o interesse nacional.
Os actuais detentores do projecto Lusitânia da arma sucessora da FBP - que pertenceu ao Estado Português - constituiram a empresa Lusa Usa, em cujo sítio se exibe que, em 2004, a INDEP vendeu tudo, máquinas, ferramentas , moldes e direitos de fabrico a três industriais de armas americanos.
Só faltou acrescentar que o preço do negócio foi uma quantia ridícula de 50 000 dólares (cerca de 40 000 €), como também divulgou o Correio da Manhã, que solicitou esclarecimentos ao gabinete do Ministro da Defesa e recebeu como resposta, do presidente da EMPORDEF*** que "sobre o projecto referido não temos informações".   
Paulo Portas, ministro da Defesa da altura, respondeu na sua página pessoal do Facebook que já tinha apanhado o INDEP em destroços e só soube dessa tal Lusa A2 agora.

Depois do negócio dos submarinos (e das contrapartidas), que veio a público, através da  justiça alemã, e do caso da aquisição à Steyer-Daimler-Puch de carros blindados em que o fornecedor não cumpre prazos, estamos, no mínimo, perante mais um negócio pouco claro, em que, provávelmente, alguém enriqueceu sem justa causa, à custa do erário público.
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*Indústrias de Defesa de Portugal.
**TDSnews é uma newsletter de inteligência económica das tecnologias de defesa e segurança, editada por José Mateus Cavaco Silva e André Gonçalves Nunes.
***Empresa Portuguesa de Defesa (SPS), SA.

domingo, 8 de agosto de 2010

Europa – Que futuro ?

O economista José Manuel Félix Ribeiro tem perspectivado vários cenários para a economia portuguesa, no contexto do devir económico internacional. Em entrevista a Teresa de Sousa do Público*, antevê um futuro económico pouco risonho: a Europa vai acabar por ser comprada pela China e pelos príncipes árabes. A minha ideia, que pode estar completamente errada, é que temos de começar por compreender por que é que os alemães foram forçados a aderir ao euro e que o euro, na prática, não é uma resposta europeia à globalização. É, antes do mais, uma resposta à unificação alemã, começa por dizer, a propósito da crise europeia.
É uma resposta política, acrescentando: não vejo que a Alemanha queira sair do euro nem que a sobrevivência do euro esteja em causa. Penso que a Alemanha tem uma ambição, que esta crise veio fortalecer, que é a de redesenhar o mapa monetário mundial. O que uma parte da elite alemã gostaria era que tivéssemos um sistema monetário com três pólos: o dólar, o euro e o yuan chinês. Há uma parte dessa elite que vive muito mal com o modelo anglo-saxónico de capitalismo e com o seu domínio da economia mundial. Nessa medida, seria um suicídio colocar em causa o próprio euro, porque é ele que lhe dá, apesar de tudo, uma outra dimensão para negociar este sistema tripolar que o marco dificilmente teria mesmo que fosse agora reinventado.
Sublinhando que, para a Alemanha – que é uma economia muito exportadora, mas não é inovadora - o que está em causa é a necessidade de consolidar o controlo sobre o euro para que possa ter um papel muito mais importante no futuro. E esse controlo tem de ser acompanhado por outra coisa: a Alemanha quer pagar o menos possível para salvar economias que vê como relativamente inviáveis.
E apontando fragilidades mediterrânicas: a Europa do sul, ao contrário do que aconteceu nas décadas anteriores, já não é um mercado fundamental para a Alemanha e os alemães vêem-na como um peso que não querem ser os únicos a ter de suportar.
Sobre a eventual saída de países da zona euro, acha que a Alemanha não quer saír do euro, a não ser que seja completamente forçada. Eles quiseram pregar um grande susto â Europa. Mas mesmo um grande susto. Querem impor alguma ordem. Não sei se querem mais alguma coisa.
Fora da Europa: A Alemanha sabe que pode contar com a China porque Pequim não quer ficar sozinha com o dólar para o resto da vida. A China é a única entidade no mundo convictamente empenhada - pelo menos enquanto esta direcção lá estiver - em que o euro não se afunde. Quer ter outro parceiro que não seja apenas o dólar e, portanto, no que puder ajudar, fá-lo-á. Comprar dívida emitida por entidades europeias...
A China precisa dos EUA mas não quer que a Europa desapareça do mapa e fará tudo para ajudar a mantê-la. Já está a comprar títulos de dívida gregos e espanhóis.
É preciso compreender a crise financeira de 2008. Os EUA são uma economia que tem défices correntes com toda a gente - com a Europa, com os produtores de petróleo, China, Japão, Taiwan. O grande problema que penso estar na base desta crise financeira foi que, pela primeira vez, os EUA não tinham activos suficientes para colocar. O Lehman, o Morgan Stanley, eram absolutamente cruciais na economia mundial porque são eles que transformam latão em ouro e que o colocam à venda no mundo inteiro. Não vale a pena dizer que a crise se deve a um bando de gananciosos. O grande problema, que pode marcar o fim da globalização e o declínio americano, é a incapacidade de produzir esses activos. Este modelo de globalização tem de ter sempre no seu centro os Estados Unidos, com os seus défices. Que funcionam como uma espécie de capital de risco do mundo inteiro.
Quanto a Espanha e Portugal:  A Espanha andou a criar uns leitõezinhos que já são muito apetitosos: a Telefónica, a Repsol, a Iberdrola, etc. No nosso caso, a Galp, por exemplo. Penso que esta crise é aquela em que alguém vai dizer: meus caros amigos, é altura de os leitões irem para o mercado para serem comprados por quem tiver dinheiro para comprar. O pior que pode acontecer nesta crise é haver uma transferência maciça da propriedade no Sul. É os chineses comprarem tudo o que lhes interessa na Grécia - o Pireu, os armadores... Quem vai comprar as empresas portuguesas ? Os árabes, talvez. A Europa vai ser salva pelas compras dos chineses e dos árabes e, no caso português, também dos angolanos. Esta é a parte económica, que pode ser muito complicada pela parte geopolítica.
_______________________________ *5 Agosto 2010, Caderno P2.

sábado, 7 de agosto de 2010

Quantas clínicas ilegais existem ?

É mais provável do que se imagina um cidadão entrar numa clínica privada e esta não estar registada, nem terem sido vistoriadas as suas condições de funcionamento.

A Entidade Reguladora da Saúde (ERS), a quem compete fiscalizar se estes estabelecimentos estão legais e cumprem as condições mínimas de higiene e segurança, desconhece quantas unidades privadas de saúde têm as portas abertas ao público.

O recente caso da clínica algarvia, que colocou quatro doentes em risco de cegueira, é um bom exemplo de uma unidade que ainda nem sequer está registada. E cujo funcionamento, à margem da lei, apenas foi detectado na sequência deste caso, em que o responsável clínico se encontra inscrito na Ordem dos Médicos.

Recomenda-se às pessoas que consultem os sites das entidades reguladoras ou supervisionadoras e verifiquem se o estabelecimento (clínica, consultório, etc, onde pretendem ir) está registado na respectiva base de dados. Se estiver, têm a garantia de que está em situação legal e é supervisionado (pelo menos, em princípio).

A consulta às bases de dados das entidades reguladoras de profissões também é aconselhável e, diremos, até, obrigatória. Recorde-se que o exercício das profissões (e o uso do respectivo título profissional) de médico, médico veterinário, advogado, engenheiro, etc, só é legal se o profissional em causa estiver inscrito na respectiva ordem ou associação profissional (Ordem dos Médicos, Ordem dos Enfermeiros, Ordem dos Médicos Veterinários, Ordem dos Advogados, Ordem dos Engenheiros...).

As pessoas devem reclamar por escrito, junto das entidades reguladoras, das ordens ou associações profissionais e do Ministério Público, em relação às situações anómalas, lembrando-se que o exercício da actividade, por profissional não habilitado legalmente, configura o crime de usurpação de funções, previsto no Código Penal.

A legalidade e a certificação da actividade, para além de contribuir para o Estado de Direito, diminui a probabilidade de insucesso da intervenção e assegura a responsabilização judicial, quer individual, quer das competentes entidades reguladoras ou associações profissionais.

Recorda-se aqui, que é vulgar a execução de trabalhos, nos diversos ramos de actividade, sem que os respectivos executores estejam habilitados legalmente. Os mais triviais são os de construção civil*. Em muitos casos, a adjudicação destes trabalhos ou serviços é feita pelos organismos do Estado**, com manifesto prejuízo do interesse público.


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*Só podem executar obras públicas ou particulares os empreiteiros (individual ou firma) que tenham alvará ou autorização do INCI . Para conferir, consulte a respectiva base de dados. Também as agências imobiliárias são obrigadas a estar inscritas no INCI.
**Como aqui temos denunciado.
Veja, especialmente, o nosso artigo Profissionais sem habilitações .

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Freeport catalisa crise da Justiça

Na sequência do despacho relativo ao processo Freeport, em que se confere a falta de tempo para ouvir Sócrates e Silva Pereira sobre 27 questões, o Procurador Geral Pinto Monteiro concedeu ontem uma entrevista escrita ao DN em que equipara os seus poderes aos da rainha de Inglaterra e assume que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público é um mero lobby de interesses pessoais que pretende actuar como um pequeno partido político.
Em resposta, o SMMP dirigiu, hoje, uma carta aberta ao Procurador Geral da República, em que tece considerações contundentes à sua actuação, afirmando que, sendo o titular do cargo com mais poderes na nossa democracia (aguns inéditos e inconstitucionais ),  não tem capacidade para os exercer no âmbito da sua superintendência hierárquica do Ministério Público.
Assinalando a situação de ilegalidade do Vice-Procurador Geral, o SMMP retira como consequência da actuação do Procurador Geral a interferência directa na estratégia da investigação e na escolha e selecção das diligências consideradas necessárias e pertinentes, assim comprometendo investigações.
O SMMP realça a absoluta importância da autonomia de cada magistrado do Ministério Público na condução do inquérito, pois só assim podem obedecer apenas à lei, com objectividade, isenção e imparcialidade, imunes a qualquer tipo de pressão ou interferência.
A carta aberta, em epílogo, apela ao Procurador Geral da República que ajude, com todas as suas capacidades, a dignificar o Ministério Público.

Virgínia na Biblioteca... e Lourenço aposentado

Virgínia Lopes, que foi engenheira civil da DREL da DGEMN, troca o IGESPAR pela Biblioteca Nacional, na sequência de procedimento concursal, em que ficou em 1º lugar.

Manuel Lourenço Rodrigues, anteriormente engenheiro civil da DSEP da DGEMN, deixa o cargo de Chefe da DIPO, da secretaria geral do Ministério da Cultura, e ingressa antecipadamente no clube dos aposentados.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Crise económica: o sindicalismo é um parceiro ou um obstáculo ?

O alargamento europeu e como é que se compagina com o sindicalismo em Portugal ?
Como enfrentar a deslocalização e a localização e como tornar atractivo o investimento em Portugal ?

Estas questões e muitas outras foram discutidas no último Plano Inclinado, de 31 de Julho, com Manuel Carvalho da Silva, João Duque, Medina Carreira e Mário Crespo.

Vale a pena (re)ver.

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