segunda-feira, 12 de abril de 2010

A política é um palco

Quando alguém deixa o anonimato e passa a figura pública, uma primeira entrevista, com chamada de primeira página, suscita natural curiosidade. Que aumenta com a circunstância de ser pianista de carreira e açoreana de origem.
Em entrevista* ao "Expresso", de 10 de Abril 2010, Gabriela Canavilhas, em pose aristocrática para a camera de Jorge Simão, deixa-nos compreender como se processa a metamorfose de artista em ministra dos artistas, nos tópicos a seguir.

A hereditariedade da vocação artística: "(...) Foi a visão da minha mãe que esteve na base desta relação com as artes. Do lado do meu pai há uma tendência artística clara, que se manifesta em vários elementos da família, mas não há nenhum caso verdadeiramente profissional."
Na altura ainda não havia universidades particulares, nem as novas oprtunidades: " Mas a minha mãe teve a preocupação, quando éramos miúdas, de nos levar a ter aulas particulares de pintura, de música, enfim de várias valências, que só um meio pequeno pode proporcionar. Portanto, foi no âmbito daquilo que se chama complemento curricular de formação que se começa a sedimentar essa vocação. Depois, quando terminei o liceu, a opção estava feita. Ia prosseguir os meus estudos na música."
A maioridade adolescente, em Lisboa, bem diferente de alguns adultos de agora, que ainda sobrevivem à custa dos pais: " Vim sozinha." (...) "Devo dizer que desde antes dos 17 anos comecei logo a estudar e a trabalhar. Sustento-me e sou auto-suficiente desde um mês antes de fazer 18 anos. "
O envolvimento no Festival Music Atlântico: " Depois de estar profissionalmente estabelecida comecei a ir novamente aos Açores. Desenvolvia actividades de caracter cultural, musical, em articulação com o Governo Regional."
A vocação cívico-política e a nomeção como directora regional da Cultura dos Açores: " Com grande convicção mesmo. Por duas razões. Uma porque tenho imensa admiração pelo trabalho que o Carlos César desenvolve nos Açores, uma admiração genuína. Depois, porque achei e acho que todos nós, durante um certo tempo da nossa vida, devemos dedicar-nos a causas que tenham a ver com a nossa identidade. Achei que tinha até a obrigação de passar quatro anos na minha terra a contribuir para o seu desenvolvimento. "
A surpresa de ser ministra e o silêncio do compromisso épico: " O sentimento que imperou quando soube que tinha essa possibilidade foi o de enorme responsabilidade. É isto que é importante para nós enquanto cidadãos: entendermos que também temos a responsabilidade de contribuir para o próximo, contribuir para o outro. Dentro do sistema que está montado, é o único meio de poder eficazmente contribuir para o desenvolvimento do país. "
A política também é um palco: " É verdade. "
Comparar a dificuldade entre ser artista ou gerir artistas: " Nem uma coisa nem outra é fácil... Mas gostava de dizer que acho que não há nada mais difícil nesta vida do que subir a um palco e tocar ou dançar. A exposição individual do artista num palco e a forma despojada como ele se apresenta é elevar ao máximo a sua fragilidade. Não há nada mais que isso. "
O estado do património: " Incomoda-me bastante, confesso. Porque nós não tivemos grandes surtos de reconstrução, não fomos avassalados por nenhuma guerra, mas fomos sistematicamente, ao longo dos séculos, vendo destruir o nosso património por falta de dinheiro, por incúria, por desconhecimento, às vezes, e nos últimos anos tem havido um esforço considerável, notável, ao qual queremos dar seguimento. "

Ficamos sensibilizados com a incomodidade da senhora ministra, mas ficamos a meditar em como é que a destruição do nosso património diminuiu nos últimos anos. Ficámos a pensar no "esforço considerável" (e "notável"), no PRACE e na destruição da DGEMN**.
Desde 2007, que obras de reabilitação foram executadas pelo IGESPAR e pelas Direcções Regionais de Cultura ? Ou estará a senhora ministra a referir-se às obras promovidas pela Frente Tejo e outras entidades, à margem dos organismos do ministério da Cultura ?
Ficamos com a sensação que não é só falta de dinheiro, mas falta de gestão. Gostaríamos de ver à frente da pasta da Cultura um gestor de artistas, (como a D. Amélia Rey Colaço, o Vasco Morgado, o Nicolau Breyner ou o Filipe La Féria...), que fosse também um gestor de património.
Se tivessemos que sugerir uma simples personalidade da cultura, preferiríamos, alguém como Natália Correia, que era açoreana, poetisa e não era "ovelha de nenhum rebanho".

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*aos jornalistas Alexandra Carita e Nicolau Santos.
**e desaproveitamento dos seus quadros técnicos e administrativos mais qualificados.

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