sexta-feira, 1 de agosto de 2014

ISTO É MATEMÁTICA OU MANIPULAÇÃO?

Conforme escrevíamos aqui, em Maio de 2011, numa série de artigos sobre "A Gestão do Património Imobiliário Público", se o leitor - ou um jornalista de investigação - perguntar a cada um dos 16 ministros, ou ao PM, que edifícios e instalações - e quantos- estão a ser ocupados pelos serviços do respectivo ministério, vai ter uma grande desilusão. Por outras palavras: o Estado, ao contrário dos cidadãos, desconhece com rigor o seu património imobiliário.
Daí a nossa surpresa quando ouvimos hoje, nas notícias da TSF, as percentagens de edifícios públicos que supostamente têm amianto: 37% do Ministério da Educação, 17% do Ministério da Defesa, 10% do Ministério da Administração Interna, 32% do Ministério da Economia, etc e que "em comunicado o Governo sublinha que este levantamento abrangeu todos os edifícios e equipamentos com serviços públicos e que 84% não apresentaram problemas. Em relação aos outros 16%, esta primeira análise revelou sinais de amianto, mas ainda não existem certezas absolutas" (sic).
Ora, se nem os próprios serviços públicos sabem, com rigor, quantos edifícios têm, como podem fazer afirmações tão peremptórias? As percentagens relativas a um determinado universo calculam-se sobre um número tanto quanto possível exacto desse universo. 
Mas, para além disso - e ainda mais grave - põe-se a questão de saber como foram contados os edifícios susceptíveis de estarem contaminados com amianto, até porque este mineral existe em vários materiais de construção. 
A compilação técnica dos materiais constitutivos dos edifícios públicos só passou a ser exigida há relativamente poucos anos (1) no âmbito da legislação sobre segurança e saúde do trabalho da construção (Decreto-Lei nº273/03, de 29-10), pelo que, não existindo uma relação específica dos materiais utilizados na execução de cada obra, não alcançamos como é que se consegue pesquisar cadastros de edifícios e ler os cadernos de encargos respectivos. Por outro lado, é preciso haver arquivos (a maior parte é destruída, seguindo a legislação da validade dos arquivos públicos), como é bom exemplo o da saudosa Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (Forte de Sacavém). Ler cadernos de encargos de empreitadas, a partir do cadastros dos edifícios,  em tão pouco tempo, não é tarefa fácil. Só à vista desarmada e à vol d'oiseau se consegue chegar com tanta precisão a estes números.    
Já estamos habituados ao marketing e à propaganda de políticos e de governos, que transformam os nossos males em virtudes, a nossa pobreza em riqueza e actos de corrupção em exemplos de boa gestão. Claro que é positivo detectar edifícios - públicos e privados - com materiais e equipamentos prejudiciais à saúde (2). Mas, temos inevitávelmente que concluir que Goebbels, se fosse vivo, teria agora muito que aprender.

Ligações: Governo contou mais de dois mil edifícios públicos com amianto [TSF]; Mortos não causam encargos; Informação sobre o risco de exposição a fibras com amianto [Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge]; Incentivi Smaltimento Amianto Con installazione di un Impianto Fotovoltaico [SIEL]; A Gestão do Património Imobiliário Público; Este País não é para engenheiros.

(1) Note-se que a ficha técnica de habitação foi tornada obrigatória pelo Decreto-Lei Nº68/2004, de 25-3.
(2) Por exemplo, quantas instalações produtoras de raios X (e outras radiações) não estão devidamente protegidas (com chumbo, betões e argamassa baritados, etc) de modo a evitar que, ao passarmos na rua, sejamos "brindados" com um feixe de radiações?

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