sexta-feira, 16 de julho de 2010

Os nossos chefes motoristas

Uma das mordomias mais apreciadas (e exibidas) pelos nossos políticos é o motorista e a viatura de cilindrada compatível com o seu status. "O meu motorista leva-o", dizem-nos com generosidade compenetrada, quando lhes aparecemos à frente, ou nos concedem o privilégio de almoçar com eles. Aliás, o motorista, segundo ouvimos dizer, para além de servir o senhor doutor, leva e traz diáriamente a esposa de casa ao emprego, os meninos à escola ou ao infantário e a empregada às compras ao supermercado. Que a vida de chauffeur não é fácil: para além de conduzir e chegar a horas e cuidar do carro, serve de estafeta e de carregador, serra muito presunto à espera, ouve muitas conversas confidenciais e sabe onde moram as amigas do senhor doutor. Talvez, por isso mesmo, ele demonstre tanta confiança nele, manifestada na generosidade das horas extraordinárias e de alguns almoços. Senão, saber é poder e carrega-se no acelerador, ou há muitas maneiras de demonstrar desagrado.

Provávelmente, por todo este contexto, tal como o cavalo dos desenhos animados que, cansado de ser esporeado, manfestou a sua súbita revolta passando a cavaleiro, passando da ficção para a realidade, Júlio Meirinhos (soubemos há tempos), tendo desempenhado diversos cargos políticos com direito a motorista, dedica-se actualmente, em terras trasmontanas, a ser motorista de casamento, transportando os noivos naqueles boeings americanos, que são autênticas suites de rodas. "Ninguém melhor que eu, que já teve motorista, para desempenhar estas funções", diz, com fina ironia (e sabedoria), o ex-deputado que propôs o mirandês como língua oficial e, agora, conduz cerimoniosamente os nubentes à porta da câmara nupcial.

Tudo isto vem a propósito do acidente grave que Mário Mendes, juíz conselheiro e secretário-geral do Sistema de Segurança Interna,  teve, no passado dia 27 de Novembro de 2009,às 16:30, em que o carro oficial em que seguia embateu noutro da Assembleia da República e que a camera de vídeo de Gonçalo Navarro captou. Mário Mendes seguia atrasado para uma tomada de posse

Soube-se há dias (7 de Julho 2010), pela Procuradoria Geral Distrital de Lisboa, que o inquérito ao acidente foi encerrado, tendo a investigação concluído que o motorista, militar da GNR, foi o «único responsável pelo acidente» e que, seguindo em «marcha assinalada de urgência, violou grosseiramente regras de circulação estradal, ignorando designadamente a obrigação de parar no sinal vermelho, pondo assim em perigo terceiros». O MP fez, ainda, saber que foram arquivados três crimes de ofensa à integridade física por «falta de apresentação de queixa por parte das vítimas».
Àqueles que dizem que o motorista obedeceria a ordens do seu superior hierárquico (que ia atrasado), Mário Mendes, para quem aquele dia é como se não tivesse existido, em entrevista ao Jornal das 9 (Sicnotícias), de 8 de Julho 2010, responde "Nem sei em que se baseiam. Isso nunca faria, nunca o fiz e não o faria em qualquer circunstância». E «O motorista [agora arguido] é um homem por quem tenho todo o respeito pessoal e profissional», e que, no acidente, «não houve qualquer outra situação que não falha humana».

Já estamos a ver os motoristas dos nossos políticos e dirigentes da Administração Pública, por motu proprio a acelerarem. E podemos ficar descansados: É que dentro da viatura oficial a superintendência hierárquica suspende-se e, assim, os motoristas, durante as viagens, é que mandam e assumem as responsabilidades.

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