A nomeação de um jurista para Chefe da Divisão de Instalações, Projectos e Obras (DIPO) da Secretaria Geral do Ministério da Cultura traz à ordem do dia a gestão da manutenção e conservação dos edifícios públicos, classificados ou não.
Quando em 27 de Março 2007 iniciámos a publicação deste blogue, em que criticávamos a nomeação na DGEMN de alguns dirigentes (poucos) sem formação adequada* e outros oriundos de outros organismos sem experiência compatível com o cargo** para que eram nomeados, suscitando, então, questões de legalidade e de favorecimento ilícito, por não ter sido acautelado o interesse público subjacente a qualquer nomeação, estávamos longe de imaginar que, poucos anos mais tarde, os critérios de tais nomeações viriam a ser bem mais “liberais”, ultrapassando quaisquer regras de boa gestão, e desafiando ostensivamente o equilíbrio e o bom senso.As razões para tal agravamento têm origem próxima na legislação, entretanto produzida, e que teria objectivos contraditórios dos que, na prática, foram alcançado, como facilmente podemos verificar.
O PRACE pretendia melhorar a gestão e poupar recursos, diminuindo organismos e dirigentes. No que diz respeito ao governo dos edifícios públicos, extinguiu-se um organismo (a DGEMN) e as suas suas competências e atribuições relativas aos edifícios classificados passaram para cerca de seis organismos*** que não estão organicamente estruturados, nem dispõem de recursos humanos e financeiros para prosseguir tais missões.
Basta contabilizar as obras de reabilitação em edifícios classificados promovidas por tais organismos, desde a sua recente fundação, até agora. Praticamente zero. O património mundial, a cargo do IGESPAR, continua a degradar-se irremediavelmente e o restante património, formalmente a cargo das DRC’s, está praticamente abandonado, devido à inoperacionalidade destas, como de resto se viu na recente reabilitação do conjunto monumental do Terreiro do Paço.
Nota-se que estes organismos apenas interferem no licenciamento de intervenções na vizinhança dos monumentos a proteger, mas não se preocupam com o centro das zonas a proteger, que é o próprio monumento.
O governo dos edifícios públicos não classificados é, actualmente, ainda mais confuso. As competências e as atribuições que estiveram, em tempos, concentradas na DGEMN, seriam, no entender de alguns juristas, como Robin de Andrade, dispersas pelas secretarias gerais de cada ministério. Só que, na sua generalidade, não foram criadas unidades orgânicas de obras e projectos nas secretarias gerais, ou nos poucos casos em que o foram, são completamente inoperacionais, por terem dirigentes inadequados ao cargo ou não terem profissionais de engenharia e arquitectura. Recorde-se que uma equipa mínima de projecto e obra deve ser constituída por 5 profissionais (arquitecto, engenheiro civil, engenheiro mecânico, engenheiro electrotécnico, desenhador) e, mesmo assim, teria uma capacidade operacional reduzida em relação às instalações de cada ministério. Portanto, se considerarmos que existem actualmente 15 ministérios, teríamos 75 técnicos distribuidos por 15 unidades orgânicas. A sua eficácia cresceria drasticamente se estes técnicos funcionassem em conjunto e prestassem os seus serviços técnicos especializados, através de uma entidade que compartilhasse estes serviços com os outros organismos do Estado. De resto, foi com esta filosofia de boa gestão, sinergias e poupança que a DGEMN foi criada em 1929.
A outra legislação que, com o PRACE, se tem revelado contraproducente e anacrónica foi a Lei nº12-A/2008, de 27 de Fevereiro, relativa aos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações e a Lei nº2/2004, de 15-1, com as alterações introduzidas pela Lei nº51/2005, de 30-8, relativa ao estatuto do pessoal dirigente.
Quando se reduzem as carreiras da administração pública a um número diminuto, a pretexto de uma qualquer economia processual ou de mercearia, está-se a negar a divisão de trabalho característica dos países civilizados, que nos ensina a conferir que o trabalho especializado e a qualidade só é apanágio dos profissionais especializados, devidamente reconhecidos pelo Estado. Já viram o que aconteceria, por exemplo, se os médicos do Serviço Nacional de Saúde não tivessem estudado numa Faculdade de Medicina reconhecida e exercessem a sua profissão avalizada pela Ordem dos Médicos**** ?
É evidente que, quando se introduz a polivalência nos trabalhadores em funções públicas, quando se recruta pessoas em função de um perfil político e não de um perfil técnico, não se quer a administração pública eficaz, nem se tem em vista a qualidade, a boa gestão e o interesse público. E, para além de tudo isto, a institucionalização da nomeação dos dirigentes dos organismos por critérios político partidários, é um acto maniqueísta e antidemocrático*****, impróprio de um país civilizado e que destrói irremediavelmente o Estado de direito e os seus fundamentos.
Certamente que com uma boa gestão das instalações dos serviços públicos, dificilmente haveria, por exemplo, um campus da Justiça, com a concentração de tribunais na Parque Expo em Lisboa... E, se aos governantes se lembrassem de concentrar também os estabelecimentos de ensino? E os estabelecimentos de saúde e as farmácias ?
Será que estas concentrações de serviços na cidade têm (ou teriam) como escopo a economia e a boa gestão, ou escondem (ou esconderiam) interesses, que nada têm a ver com o interesse público ?
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*O caso mais paradigmático foi o de Margarida Alçada, licenciada em filologia germânica.
**Como os organismos que superintendiam os portos (Direcção-Geral de Portos) e as estradas (Junta Autónoma de Estradas).
***IGESPAR e cinco direcções regionais de cultura equiparadas a direcções gerais (norte, centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve). Outros organismos, como o IMC-IP e o IHRU, também reivindicam atribuições da ex-DGEMN no domínio do património classificado.
****Mesmo assim, há erros e casos problemáticos, como foi o recente caso de cegueira dos doentes oftalmológicos da clínica de Lagoa.
*****Havendo violação do princípio constitucional da igualdade entre os militantes e simpatizantes do(s) partido(s) no poder e os outros cidadãos.
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