domingo, 6 de novembro de 2011

GESTÃO DAS INTERVENÇÕES NO PATRIMÓNIO CLASSIFICADO (II)


2.    O ESTADO ACTUAL
2.1. Organizações com competências na área do património imobiliário do Estado
Na sequência do PRACE de 2007, as Direcções Regionais de Cultura (DRC) sucederam às Direcções Regionais do IPPAR, nas atribuições relativas à salvaguarda e valorização do património arquitectónico e à DGEMN nas atribuições relativas ao património classificado nos respectivos âmbitos territoriais de actuação (artigo 9.º, do Decreto Regulamentar n.º 34/2007, de 29 de Março); o IGESPAR, nos termos do preâmbulo do Decreto-Lei 96/2007, de 29 de Março, “resulta da fusão do Instituto Português do Património Arquitectónico e do Instituto Português de Arqueologia e incorpora ainda parte das atribuições da extinta Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais”, devendo “articular com o IHRU a gestão e o desenvolvimento do Sistema de Informação para o Património (SIPA) ”, criado pela DGEMN; por seu turno, o IHRU, de acordo com o Decreto-Lei n.º 223/2007, de 30 de Maio de 2007, sucedeu “nas atribuições do INH e do IGAPHE, bem como nas atribuições da DGEMN, com excepção das atribuições relativas ao património classificado”.  Actualmente, são estas as organizações que, no âmbito da sucessão das atribuições da DGEMN, detêm competências para intervir no Património Imobiliário do Estado. No entanto, depois de implementado o PRACE, o Estado, com a finalidade de reestruturar a gestão do seu Património, promoveu uma série de diplomas legais que, ao mesmo tempo que reforçam a concentração dos aspectos relacionados com a gestão na Direcção-Geral do Tesouro, dispersam ainda mais as competências relativas às intervenções de reabilitação e conservações dos seus imóveis.

2.2.  Gestão do Património Imobiliário do Estado
2.2.1.      Enquadramento geral
A base de toda esta reestruturação é o Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto, que trata da reforma do património imobiliário do Estado, nas suas linhas gerais. Segue-se-lhe a Resolução do Conselho de Ministros n.º 162/2008, de 24 de Outubro, em que se define o Programa de Gestão do Património Imobiliário do Estado (PGPI), previsto no artigo n.º 113.º, do Decreto-Lei atrás citado, documento chave para a gestão, conservação e reabilitação do património. Nele se definem os instrumentos de gestão, planeamento e conservação, sendo o controlo das acções exercido pela Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, em articulação com as unidades orgânicas de gestão patrimonial das Secretarias-Gerais de cada Ministério ou com os serviços que, no âmbito das suas leis orgânicas disponham de competências sobre a gestão patrimonial e com o IGESPAR quando estejam em causa imóveis classificados ou em vias de classificação. Este diploma institui ainda um conselho (cujo regulamento interno foi aprovado pela Portaria n.º 34-A/2009), presidido pelo Director-Geral do Tesouro e no qual têm assento os secretários-gerais de cada ministério ou os dirigentes máximos dos serviços com competências sobre a gestão patrimonial, em representação de cada unidade de gestão patrimonial, bem como um representante do IGESPAR e prevê a constituição de um fundo para a reabilitação e conservação patrimonial e de outro para a salvaguarda do património cultural. Aquele, incorporando verbas provenientes da alienação de bens imóveis, tem o seu regulamento aprovado pela Portaria n.º 293/2009, de 24 de Março, na sequência do Decreto-Lei n.º 24/2009, de 21 de Janeiro, que o institui, enquanto este, designado Fundo de Salvaguarda do Património Cultural (FSPC), foi constituído pelo Decreto-Lei n.º 138/2009, de 15 de Junho e regulamentado pela Portaria 1387/2009, de 11 de Novembro.

2.2.2.      Património Classificado
No âmbito da gestão do património classificado, como atrás se referiu, foi criado o FSPC e respectivo regulamento. Este fundo destina-se a acudir a situações de emergência em relação a bens culturais classificados, a financiar a sua aquisição, assim como, acções de reabilitação, conservação e restauro de imóveis classificados. Além dos diplomas acima referenciados foi ainda aprovado, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 70/2009, de 21 de Agosto, o Programa de Recuperação do Património Classificado, também denominado cheque-obra, bem como o Decreto-Lei n.º 140/2009, de 15 de Junho, que estabelece o regime jurídico dos estudos, projectos, relatórios, obras ou intervenções sobre bens culturais classificados, ou em vias de classificação, de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, o qual decorre do regime jurídico da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro (Lei de Bases da Política e do Regime de Protecção e Valorização do Património Cultural).

2.3. A experiência dos últimos quatro anos
Do que se expôs no ponto 2.1., resulta que, aparentemente, as disposições aí referidas contemplam a transferência de todas as atribuições da ex-DGEMN. Contudo, incongruências verificadas entre a concepção e redacção daqueles e as leis orgânicas dos serviços entretanto criados, ambiguidades destas e a sua conturbada aplicação, bem como a proliferação legislativa produzida entre 2007 e 2009, relativa à Património do Estado, conduziu a uma situação em que, embora se tenha reformado radicalmente o regime jurídico do património imobiliário público, não se cuidou dos aspectos operacionais e sobretudo técnicos inerentes às acções da sua conservação, valorização e reabilitação.
Consultando a legislação produzida, sobretudo, entre 2007 e 2009 verifica-se, por um lado, uma enorme profusão de documentos relativos à gestão e enquadramento jurídico do património imobiliário do Estado, alguns deles evidenciando contradições e ambiguidades entre si e, por outro, uma ausência evidente de qualquer referência a sistemas de gestão da qualidade técnica das intervenções de reabilitação e conservação e da prevenção de erros. 
Acerca das competências das diversas organizações criadas pelo PRACE de 2007, verifica-se que, enquanto, relativamente aos edifícios não classificados, o Decreto-Lei n.º 223/2007 transfere para o IHRU as atribuições da DGEMN, com excepção das relativas ao Património Classificado, provavelmente em virtude de este organismo nunca ter manifestado vontade de as assumir, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 162/2008 concede o controlo do planeamento e das acções de reabilitação e conservação dos imóveis à Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, em articulação com as unidades orgânicas de gestão patrimonial das Secretarias-Gerais de cada Ministério ou com os serviços que, no âmbito das suas leis orgânicas disponham de competências sobre a gestão patrimonial.
No que se refere aos edifícios classificados, o Decreto Regulamentar n.º 34/2007 é claro ao transferir para as DRC as atribuições da DGEMN, relativas ao património classificado nos respectivos âmbitos territoriais de actuação. Sucede, porém, que, por razões várias, decorrentes da amálgama de funções que lhes foram cometidas e, em resultado de ambiguidades e incoerências funcionais entre as leis orgânicas das instituições incumbidas de gerir o património classificado, aquelas Direcções Regionais, salvo raras excepções, não foram capazes de dar continuidade àquelas atribuições, resultando daí, na prática, um vazio, que deixou as acções de conservação e reabilitação dos imóveis classificados do Estado sem um controlo técnico eficaz e competente. Ora, numa época em que as acções de conservação e reabilitação se revestem de elevada complexidade e fazem apelo a múltiplos saberes e em que a sociedade cada vez mais encara o património como uma herança identitária a preservar e valorizar para a conquista do futuro, este vazio pode vir a traduzir-se num retrocesso de muitas décadas, com custos irreversíveis para o Património.
As incongruências e ambiguidades decorrentes do PRACE conduziram também a que, sem que as disposições legais daquele programa tal contemplassem, pelo menos, três empresas públicas absorvessem competências da DGEMN, nas atribuições relativas à conservação e reabilitação de edifícios e edifícios classificados públicos: a Estamo, a Parque Expo e a Frente Tejo.
Por outro lado, o SIPA, sistema de informação e base de dados e a carta de risco do Património, ferramentas desenvolvidas pela DGEMN e imprescindíveis para gerir e hierarquizar as intervenções no Património Classificado, ficou sediado no IHRU, sem articulação institucional com os organismos que o PRACE determinou que gerissem as intervenções nos edifícios classificados.
Em suma, actualmente, além de dispersas pelos organismos que, de acordo com o PRACE lhes sucederam (IHRU, IGESPAR e Direcções Regionais de Cultura), as atribuições da DGEMN foram absorvidas também pelas Secretarias-Gerais dos diversos Ministérios e, pelo menos, por três empresas Públicas: a PARQUE EXPO, a FRENTE TEJO e a ESTAMO.

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