domingo, 6 de novembro de 2011

GESTÃO DAS INTERVENÇÕES NO PATRIMÓNIO CLASSIFICADO (III)

3.     PROPOSTAS
3.1. Considerações prévias
Numa sociedade em que, como já se referiu, os recursos são escassos, um dos princípios mais importantes para a racionalização das intervenções, para além da correcta gestão desses mesmos recursos, é a hierarquização das intervenções, característica que deve assentar numa análise multicritério, em que o conhecimento científico-técnico é fundamental. Por outro lado, no que se refere aos edifícios classificados do Estado ocupados por serviços públicos, as prioridades nas intervenções, como se sabe, não havendo um organismo que, tecnicamente, avalie e gradue o seu estado de conservação e o risco, pode ficar refém do poder financeiro ou negocial que a entidade a que o imóvel está afecto tem junto das instâncias decisórias do poder político, situação que pode conduzir à subversão das prioridades e a deteriorações irreversíveis no património.
Acrescente-se que a dispersão de competências e de recursos que, nesta actividade, resultou da aplicação do PRACE, também desaproveita o efeito de escala, desperdiça sinergias, dispersa recursos e desagrega o conhecimento, não sendo, por isso, racional. A situação criada parece mesmo colidir com os objectivos de racionalização do próprio PRACE e com os princípios que emanam dos novos paradigmas da Administração Pública, que defendem a instituição de serviços partilhados, por conduzirem a um funcionamento mais racional e diminuírem as despesas, como acontece, por exemplo com a central de compras do Estado.
Deste modo, a situação actual, não parece vantajosa para os interesses do Estado e, ao mesmo tempo, pode favorecer os erros, sendo certo que as falhas nas intervenções em edifícios classificados se podem traduzir em perdas irreparáveis, no Património. Urge, por isso, reestruturar esta actividade, racionalizando e concentrando recursos e competências.

3.2. Edifícios classificados
Assim, sendo a reabilitação de edifícios em geral e, particularmente, a reabilitação dos edifícios do Estado, sobretudo a que contempla as acções de preservação, salvaguarda e valorização dos edifícios classificados uma actividade que pode influenciar as estratégias de desenvolvimento sustentado do país, com impactos positivos no turismo, é necessário tomar medidas no sentido de criar estruturas que, de forma articulada, sejam capazes de, eficientemente, efectivar as políticas de preservação da nossa identidade histórica e cultural e de desenvolvimento definidas neste domínio. O funcionamento destas estruturas, porém, exige que a sua organização seja simples, eficaz e responsável e que, existam suportes normativos claros e objectivos para optimizar e tornar útil o resultado das operações a empreender. Para ter sucesso, a reforma deverá ter como objectivo fundamental a garantia da qualidade das acções de conservação, manutenção e valorização do património, ou seja, as obras. Para o conseguir, no entanto, importa ter em consideração outras actividades, nomeadamente, as que definem o seu caminho crítico e possam sustentar consistentemente as bases para a construção do modelo a implementar. De entre essas actividades, destacam-se as que se relacionam com a qualificação dos intervenientes, com a prevenção dos erros e com a certificação das intervenções. Paralelamente, deverão ser recuperadas, aperfeiçoadas e desenvolvidas algumas das ferramentas que a DGEMN havia criado para suportar científica e tecnicamente a decisão de intervir e os parâmetros da intervenção: o inventário e carta de risco, por um lado, a preservação dos saberes tradicionais e o apoio à investigação científica neste domínio, por outro.
Relativamente ao património classificado, preconiza-se a existência de um serviço de excelência, com competências técnicas de elevado nível científico-técnico, que, em articulação com entidades de investigação científica, impulsione a elaboração de normas técnicas e éticas acerca dos requisitos a satisfazer pelos projectos e intervenções no património e nas suas zonas de protecção, promova as intervenções nos edifício públicos e que, ao mesmo tempo, controle a aplicação das normas emitidas, bem como a salvaguarda do valor histórico, cultural e/ou artístico do bem. Acrescente-se que, por se tratar de bens insubstituíveis (o património arquitectónico é um capital espiritual, e cultural, económico e social de valor insubstituível - Carta Europeia do Património Arquitectónico, 1975), é imprescindível que as obras a levar a cabo neste tipo de imóveis, por um lado, assentem em diagnósticos científica e tecnicamente válidos e sejam concebidas, executadas e fiscalizadas por técnicos de elevada estatura técnica, científica e humana e que os seus promotores disponham de mecanismos que previnam os erros e promovam também eficientemente a qualidade, por outro, pois as falhas podem traduzir-se em prejuízos irreparáveis.

3.3. Outros edifícios públicos
Também no que diz respeito á intervenções noutros edifícios públicos, a dispersão de recursos e competências pode ser indutora de erros e, pelas mesmas razões que atrás se invocaram para o Património Classificado, colidir com a racionalidade invocada pelo PRACE. Recorde-se que a última lei orgânica da DGEMN – Decreto-Lei n.º 284/93 – definia esta entidade como o “serviço central do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações com atribuições em matéria de concepção, planeamento, e coordenação das actividades que conduzam à construção, ampliação, remodelação e conservação dos edifícios e instalações do sector público do Estado e à salvaguarda e valorização do Património Arquitectónico, não afecto ao IPPAR, bem como em matéria de avaliação da qualidade de construção. ”. É este serviço central que agora faz falta ao Estado e que a racionalização em curso deve recuperar, sem demora. Por outro lado, aquele diploma previa mecanismos para prevenir os erros e a definição das prioridades de intervenção, como consta das seguintes competências de que dispunha: “no domínio da instalação de serviços públicos: a) a pesquisa, registo e classificação das necessidades de instalações; b) O estudo e elaboração de propostas de instalações e definição de prioridades ( n.º 1, do art.º 2.º) e avaliar os processos e técnicas de construção utilizados (alínea a), do n.º 3, do mesmo art.º 2.º) .
Estes objectivos só poderão ser alcançados se se fundirem de novo as atribuições dos diversos organismos do Estado que, não tendo dimensão suficiente para incorporar estruturas organizadas próprias, intervêm em edifícios, num único organismo da Administração Central, com, eventualmente, 4 delegações regionais, à semelhança do que sucedia com a DGEMN.

3.4. Centros históricos
Ao contrário do que sucedeu nas últimas décadas, a reabilitação de edifícios, designadamente, nos centros históricos, vai sobrepor-se de forma avassaladora à construção de novos edifícios, sendo certo que esta actividade, sobretudo, quando aplicada em edifícios de valor histórico, analogamente ao que sucede com os edifícios classificados, requer elevados conhecimentos técnicos e científicos e a síntese de vários saberes, alguns deles em vias de extinção.
Relativamente a esta vertente da reabilitação, importante para o desenvolvimento económico e social do país, na actual situação, os processos de licenciamento são instruídos pelas DRC e aprovados pelo IGESPAR, mas por não haver regulamentação e normalização claras sobre o assunto, a autorização fica no senso do revisor do projecto, não sendo raros os casos em que ocorrem decisões contraditórias para o mesmo projecto. Trata-se, por isso, também, de uma área de actividade que carece de ser reestruturada, reestruturação que deve assentar, em primeiro lugar, na elaboração de normalização específica e na definição de regras claras para as intervenções, não esquecendo as preocupações de consolidação e reforço estrutural, nomeadamente o reforço sísmico, sempre que possível e, de forma consistente e segura, conceber e implementar um sistema simplificado, mas eficaz, de certificação das intervenções de reabilitação. Nesta actividade, o papel da administração pública, deverá consistir em, de forma articulada com as autarquias, com as ordens profissionais e com instituições de investigação, assegurar e comprovar a qualificação dos intervenientes e a gestão do sistema de certificação, incluindo o sistema de fiscalização e auditoria, necessário a assegurar a garantia da qualidade das intervenções. O modelo a implementar deveria, por isso, simplificar a tramitação, com uma eventual dispensa do licenciamento clássico, por parte das Câmaras Municipais, e, além de atestar a garantia da qualidade das intervenções, assegurar e auditar regularmente a qualificação técnica e ética de todos os intervenientes e penalizar fortemente as não conformidades.
Esta metodologia, se assentar em regras simples e claras, terá seguramente repercussões muito positivas nos trâmites processuais da reabilitação dos centros históricos, as quais se traduzirão numa redução significativa da incerteza, da discricionariedade e da subjectividade e em substanciais poupanças de tempo nos licenciamentos. Recorde-se que estes factores, inerentes aos actuais licenciamentos, normalmente, traduzem-se em sobrecustos elevadíssimos para os empreendimentos, sendo, por isso, elementos perturbadores e desmotivantes para os promotores da reabilitação. Ao contrário, a simplificação dos licenciamentos nas zonas histórias poderá constituir-se como uma medida indutora da revitalização dos centros urbanos, com reflexos positivos no repovoamento destes núcleos e, como factor de promoção turística, contribuir para o desenvolvimento económico e social do país.

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