O embaixador português* em França, no seu interessante blogue duas ou três coisas, emitiu, a propósito do cablegate, um inteligente (e ponderado) artigo que temos a honra de transcrever:
Ao olhar para alguns dos "telegramas" americanos que têm vindo a ser divulgados, sou levado à conclusão que o estilo de sua escrita acaba por ser bem mais "solto" do aquele que marca a grande maioria da cultura diplomática tradicional. Sem perder o "template" daquilo que é a liturgia da profissão, nota-se que essa escrita largou já o "colete de forças" formal, saindo do modelo de textos muito enxutos, quase tecnocráticos, que faz parte de uma certa tradição britânica e que tem o seu auge na "telegrafia" das missões junto das organizações multilaterais.
Naquilo que o WikiLeaks tem revelado, é visível uma espécie de escrita quase jornalística, que marca, por exemplo, muitos dos retratos de personalidades produzidos pelos diplomatas americanos, o que não deixa facilitar a sua leitura pelos decisores políticos, a quem, em última instância, o resultado desse trabalho se destina. Contrariamente a uma velha escola, felizmente em progressivo desuso, os textos são corridos e sonoramente adjetivados, abandonando o refúgio em bordões e ambiguidades. Não quero elaborar muito sobre isto, mas quem conhece a escrita diplomática tradicional sabe bem aquilo a que me refiro.
Num outro registo bem diferente, ao ler alguma dessa "telegrafia" americana sou levado a concluir que a diplomacia dos EUA desenvolve hoje um excelente trabalho de pesquisa e análise, muito mais "nuancé" e muito menos maniqueísta do que se poderia, à partida, esperar. Além disso, e não excluindo que algumas surpresas possam ainda surgir, a verdade é que, com escassíssimas exceções, vejo muito clara a linha distintiva entre aquilo a que os meus colegas americanos se dedicam e o trabalho da "intelligence" - esse sim, muitas vezes estereotipado e reduzido a caricaturas funcionais. Devo dizer - porque é verdade - que essa foi uma positiva surpresa para mim.
Finalmente, lidos e relidos muitos comentários na imprensa e na blogosfera sobre o tema do WikiLeaks, julgo que é de meridiana honestidade concluir que muito do "gozo" sobre esta falha séria no secretismo do governo de Washington deriva, essencialmente, da permanência de um sentimento residual de anti-americanismo, aqui e ali adubado pelo "voyeurisme" deslumbrado de quem acha que o mundo se defende com pombas, até ao dia em que na sopa lhe caiam bombas. Só o tempo e as más experiências ajudará essa gente a perceber que a diplomacia discreta é, muitas vezes, a melhor forma de evitar a guerra.
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*O Embaixador Seixas da Costa é sobrinho do nosso saudoso Dr. Seixas, trasmontano muito estimado, que foi director dos serviços de Administração da DGEMN, até à década de 80. Recentemente, em 25 de Junho 2010, tivemos o gosto de nos referir ao senhor Embaixador no post Duas ou três coisas sobre o Mathis
.Veja as últimas divulgações do WikiLeaks relacionadas com Portugal veiculadas por "El País":
El jefe del primer banco portugués ofreció a EE UU informar sobre Irán
José Sócrates es "carismático" y "le desagrada compartir el poder"
Sugerimos também a leitura do artigo El "tsunami" Wikileaks de Milagros Pérez Oliva.
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