sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Estado não conhece o seu património imobiliário

No princípio da semana, os media davam conta que a grande maioria dos edifícios públicos não está registada nas conservatórias de registo predial, salientando que esta situação impedia o conhecimento da quantidade de património das entidades ligadas ao Estado e, consequentemente, dificulta a sua venda.
O "Diário Económico" era a fonte da notícia: tivera acesso a um relatório da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF) que lhe permitia inferir que o Estado só tem registado nas conservatórias 7% dos edifícios. O periódico sublinhava que, ao contrário dos organismos do Estado, o registo e a avaliação é obrigatório para os cidadãos e entidades privadas, daqui resultando o justo pagamento de impostos.

Esta realidade teria reflexos na realização de vendas de património para obtenção, em tempo oportuno, de receitas extraordinárias, para além de evidenciar o falhanço do Programa de Gestão do Património Imobiliário Público.

Se consultarmos a página do Programa de Gestão do Património Imobiliário (PGPI) no sítio da DGTF, deparam-se-nos logo vários diplomas legais (4 decretos-lei, 3 portarias e uma resolução do Conselho de Ministros) , uma apresentação dos 7 eixos do PGPI e 3 relatórios, dos quais, o ´mais recente, diz respeito ao 1º semestre de 2010. Nele se quantifica o património edificado do Estado (edifícios e terrenos), incluindo as instalações arrendadas. Com base em quê ? Na parte final a "nota de divulgação" eslarece-nos:
(...) A responsabilidade pelo reporte, registo e actualização de informação sobre o inventário compete exclusivamente aos serviços da administração directa ou indirecta do Estado utilizadores ou proprietários de imóveis.
Assim, este relatório teve por base a informação inserida pelos referidos organismos no SIIE*, sendo essa informação utilizada pela DGTF no pressuposto de ser correcta e verdadeira.(sic).

Desta prosa conclui-se que a DGTF endossa as responsabilidades do inventário do património imobiliário aos serviços declarantes e, como estes desconhecem com exactidão o património imobiliário que lhes pertence (porque que isso já sucedia antes, com os organismos que os antecederam na sequência do PRACE), verificamos que a situação é, ainda mais grave: o Estado desconhece com rigor o seu património imobiliário. E se desconhece, claro, não pode registá-lo. Aliás, boa parte dos edifícios públicos nunca esteve registada nas conservatórias de registo predial (porque o registo não era obrigatório), a começar pelos edifícios da Praça do Comércio, em Lisboa.

A DGTF sucedeu, no âmbito do PRACE, à Direcção-Geral do Património (DGP) que inscrevia nas suas competências a gestão do património imobiliário do Estado e centralizava a sua inventariação. Mesmo com a gestão centralizada a DGP enfrentava situações difíceis e complicadas que tinham a ver principalmente com as sucessivas alterações de designação e orgânicas dos organismos, promulgadas pelos sucessivos governos. Se um organismo especializado, com funcionários competentes e experientes, como a extinta DGP tinha dificuldades, agora imaginem estas responsabilidades disseminadas pelos vários organismos, entregues a funcionários sem formação e experiencia na matéria.
Por consequência, se um dirigente público desconhece com rigor o património imobiliário afecto ou pertencente ao organismo, como é que gere e com que rigor apresenta o relatório e contas anual** ?  Recordamos que há muitos terrenos e instalações utilizadas por organismos antecedentes e que os organismos actuais desconhecem. Como há instalações do Estado que estão cedidas a funcionários que tinham direito a residência, não esquecendo os bens expropriados por utilidade pública ou que, por diversas razões, reverteram a favor do Estado. E há organismos do Estado extintos, sem haver outros a sucederem-lhe, cujo património se desconhece pura e simplesmente porque não há ninguém que o registe no tal SIIP*. Para não falar dos membros do governo que assinaram protocolos de permuta ou cessão de ´património, com as autarquias, ou outros membros do mesmo governo, e que não tinham competência para o fazer, sobretudo à margem do ministério das Fnanças.

Os (poucos) funcionários da ex-DGEMN - principalmente os mais antigos, que ainda não mandaram os seus actuais chefes estagiários dar uma volta, aposentando-se -, conhecem bem a situação do cadastro do património imobiliário do Estado porque faziam lá obras*** e poderiam certamente dar um contributo valioso. Só que, com tanta confusão causada pelo PRACE e pelas  orgânicas dele resultantes , com a ignorância e  falta de humildade dos actuais dirigentes da Administração Pública (cujo curriculum principal  é meramente partidário), duvidamos que esse contributo seja possível.

Em conclusão: somos pobres e nem sequer sabemos gerir o pouco que temos, pelo que devemos acrescentar à indigência material outra bem mais grave: a pobreza de espírito.

___________________
*Sistema de Informação dos Imóveis do Estado.
**Nos organismos em que é obrigatório. Alguns institutos públicos, por exemplo, apresentam o relatório e contas com anos de atraso. Se alguém com legitimidade solicitar, por exemplo, ao competente e mediático Secretário de Estado Laurentino Dias as últimas contas do IND, do IPJ, da Movijovem e outras entidades sob a sua tutela, não são de 2009... E, quanto ao inventário do património imobiliário afecto à sua pequena secretaria de Estado, nem vale a pena falar. Experimentem.
***A DGEMN com a sua máquina administrativa aperfeiçoadíssima foi, desde a sua fundação em 1929 até cerca de 15 anos antes da sua extinção, a única entidade responsável pela conservação, remodelação e construção dos edifícios da Administração Central, com as vantagens daí decorrentes. Como havia décadas de experiência funcionava razoávelmente bem, os nossos governantes resolveram extingui-la. Imaginem o que aconteceria se no sector privado houvesse um "inteligente" a extinguir as empresas mais antigas e mais experientes !

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