quinta-feira, 7 de outubro de 2010

100 escolas para 100 anos de República


Fazia parte do programa oficial, das comemorações do centenário da República, a inauguração de 100 escolas em simultâneo nacional, precisamente às 12:00 horas do dia 5 de Outubro de 2010.

À primeira vista - admitindo a sua necessidade técnica - a reabilitação ou remodelação de escolas seria um investimento políticamente correcto e adequado à situação económico-financeira do país, em contraponto com obras megalómanas, como a Rede de Alta Velocidade, a terceira travessia do Tejo e o novo aeroporto. Essa unânimidade, entre o governo e a oposição, transpareceu dos convites para as inaugurações e dos elogios que, na oportunidade, alguns mediáticos políticos oposicionistas deixaram fugir, como se fora um desabafo, de que no socratismo nem tudo é excessivamente mau.

A questão fundamental que se coloca, sobretudo num país em crise, é se o investimento é reprodutivo ou se se trata de obras de custo elevado face ao benefício produzido. Por isso, achamos estranho que ninguém tivesse perguntado quanto custaram e também tivesse indagado se o número de escolas intervencionadas reflectia uma mera acção de marketing político*, de equiparar quantidades de anos e de escolas, ou se se fundamentava em critérios técnicos de dar prioridade à reabilitação dos edifícios mais necessitados.

A aplicação de critérios técnicos, a elaboração de projectos e o lançamento das empreitadas esteve a cargo da empresa deficitária** Parque Escolar, E.P.E, criada em 2007 e detida a 100% pelo Estado (através da Direcção Geral do Tesouro e Finanças), que tem por objecto o planeamento, gestão, desenvolvimento e execução do programa de modernização da rede pública de escolas secundárias e outras afectas ao Ministério da Educação.

Só que, com apenas duas direcções técnicas (uma de projectos e outra de manutenção e conservação), sem antecedentes e sem know-how comparável à extinta Direcção-Geral das Construções Escolares (DGCE)***, temos sérias dúvidas que esta estrutura empresarial estatal tenha capacidade técnica e administrativa para cumprir o seu objecto social.

Com efeito, não é por se substituir um organismo da administração central (prestigiado e com experiência e historial em construções escolares), por uma empresa pública recente, que se agilizam processos, se aprende a reabilitar**** e se inventam modelos de gestão, à margem da experiência e da capacidade técnica neste tipo de edifícios. Convém ter presente que a construção, reabilitação, remodelação e conservação é específica do tipo de edifícação, diferindo entre escolas, hospitais, tribunais, esquadras de polícia, quartéis, etc. e exigindo qualificações e experiências técnicas diferentes de engenheiros, arquitectos e outros profissionais. Ignorar isto, significa arriscar-se, pelo caminho mais directo, ao fracasso e a aumentar a probabilidade de erro, tornando o investimento mais caro.

E, estando a tal Parque Escolar, E.P.E, sujeita ao regime jurídico da contratação pública, seria interessante conhecer em pormenor os procedimentos que foram levados a efeito em relação às adjudicações de estudos e projectos, de empreitadas, de coordenação de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, de controlo de qualidade (através de planos de inspecção e ensaios), de controlo ambiental, de certificação energética e de fiscalização de obras (que deveria ser efectuada pelo dono de obra).

É que os regimes especiais de contratação, as adjudicações por ajuste directo, com consulta a uma única firma - independentemente de poderem ter cobertura legal -, para além de propiciarem o favorecimento ilícito, também não favorecem a concorrência, ocasionando, por via disso, valores de contratação mais elevados.

Outra questão importante, relacionada com as intervenções efectuadas, é a de saber se estas não vão ocasionar "a posteriori" despesas de manutenção demasiado elevadas, como acontece, sobretudo, com as instalações especiais (ascensores, ares condicionados, ventilação, aquecimento, detecção de incêndios, segurança contra intrusão, equipamentos laboratoriais, redes informáticas, etc), cujos contratos de assistência técnica oneram de modo permanente a manutenção e conservação dos edifícios.

Não basta fazer investimentos apenas numa perspectiva anti-imobilismo*****: é preciso que as intervenções correspondentes sejam viáveis economicamente. E tenham enquadramento político e planeamento estratégico no tempo.

Quando a definição de objectivos é a resposta a slogans e a estímulos de mera e permanente estratégia eleitoralista, isso significa que se ignorou a ética do serviço público e se abusou do mandato popular, prevertendo-se ilegítimamente os limites do poder.

Goebbels não faria melhor.

________________________
*"É uma homenagem que prestamos a um dos ideais republicanos e uma das iniciativas da I República de alargamento da instrução e é a melhor forma de o país, que está a comemorar o seu centenário da República, valorizar esse sinalizando a sua aposta na educação", Pedro Silva Pereira, ministro da Presidência, dixit.
**Resultados do exercício negativos: 2007: -566.609 €; 2008: -1.629.658 €; 2009: ? .
***Da DGCE, em relação aos edifícios escolares e da Direcção Geral do Equipamento Escolar, em relação aos equipamentos escolares.
****Das 477 escolas, 22,6 % foram construídas a partir do séc. XIX (sendo algumas edifícios classificados) e as restantes foram construídas depois de 1970.
*****O princípio da melhoria incontestável apela ao equilíbrio e ao bom senso e diz-nos que só vale a pena fazer uma qualquer alteração, quando estivermos absolutamente certos que o novo é melhor que o que já estava. 

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